A Ordem e o despenhadeiro
(Postado no facebook em 26 de março de 2015)
Luiz Eduardo Soares
Ordem é expectativa de ordem, profecia que se auto-cumpre. Ordem é a ilusão compartilhada de que o futuro é a extensão linear do passado. Esta fantasia apazigua o espírito, conjura o acaso, abole a indeterminação e converte em destino a aventura de viver. No entanto, a suposta ordem –mais que a fé que suscita, e na qual repousa– é volátil, desfaz-se com um sopro de incerteza. A ordem é a varinha mágica com que domesticamos a morte e exorcizamos a consciência da finitude. Por isso, a tragédia na França, que matou 150 pessoas, é tão inquietante, e desta vez mais do que nos outros acidentes aéreos: este não foi propriamente um acidente, não decorreu de falha humana ou mecânica, nem de condições atmosféricas. Tampouco foi produzido em nome de uma racionalização ideológico-religiosa ou política qualquer. Um homem jogou-se no despenhadeiro e levou consigo aqueles que o acaso escolheu, em seu jogo de dados com a morte. O arbítrio individual suicida transformou-se em decisão assassina, sem motivo passível de racionalização.
Esse piloto, caso esta informação se confirme, desnudou o abismo diante de nós, a soberania absoluta da incerteza e da indeterminação. Já não há como iludir-se ou proteger-se. Resta a nós conviver com a finitude e aprender a antiga lição de Mallarmé: um lance de dados não abolirá jamais o acaso. Se acreditamos que despertaremos amanhã para o novo dia é porque a energia em nós borbulha e a tácita confiança na benevolência do inexpugnável acende, de novo, o sol. Viver como ato de vontade é radicalmente irracional. Felizmente. O animal que somos é assim. Menos mal.