Brasil, pátria encarceradora
Eis o epicentro de nosso problema na área da (in)segurança pública, sem cuja solução a vigência do Estado democrático de direito permanecerá dúbia, precária ou parcialmente suspensa. Refiro-me ao ponto no qual se cruzam o modelo policial e a lei de drogas, que reputo hipócrita e absolutamente irracional. Observe-se que o modelo policial definido pelo artigo 144 da Constituição veda a investigação a uma das polícias, obrigando-a a prender apenas em flagrante. Registre-se ainda que o ambiente social, cultural e político pressiona a polícia que está nas ruas, a polícia ostensiva, uniformizada (a mais numerosa), isto é, a polícia militar, a mostrar serviço, ou seja, a prender em grandes quantidades.
Eis aí o mistério solucionado: há 58 mil crimes letais intencionais por ano, no Brasil, entre eles 56 mil homicídios dolosos, dos quais apenas 8% são investigados. A taxa de impunidade relativamente ao crime mais grave atinge o patamar escandaloso de 92%. Entretanto, o Brasil está longe de ser, como se poderia precipitadamente inferir, o país da impunidade: temos a quarta população penitenciária do mundo (640 mil presos, segundo dados defasados do DEPEN, divulgados em fins de 2014) e a que mais velozmente cresce. No universo prisional, 40% estão em prisão provisória, 12% cumprem pena por homicídio, e dois terços estão sentenciados por crimes contra o patrimônio e delitos vinculados a drogas –sendo estes o subgrupo que mais vem aumentando.
A receita do fracasso está aí desvendada: proiba a polícia que está nas ruas, a mais numerosa, de investigar; cobre-lhe produtividade; identifique eficiência com prisões, as quais terão de ser feitas, portanto, exclusivamente em flagrante; ofereça-lhe a lei de drogas como filtro seletivo e açoite; junte esses ingredientes e os leve ao fogo brando da inépcia política; salpique omissão das demais instituições que compõem o campo da Justiça criminal; polvilhe autorização tácita da sociedade; bata a gosto – ninguém está olhando, e a sede de vingança dá o tom nos programas demagógicos de TV. Pronto, está aí o quadro dantesco da insegurança brasileira, invertendo prioridades e sacrificando a vida, que, afinal, é dos outros. O racismo rege esta máquina selvagem que criminaliza a pobreza. E quando novos crimes escandalizam, o populismo penal clama por elevação das penas para que se faça mais do mesmo, com mais força, esperando resultados diferentes. Seria patético não fosse trágico. Brasil, pátria encarceradora.