Cooperação ou divisão do desgaste?
Faço uma pergunta simples e não encontro resposta digna, que rime com justiça ou com respeito à equidade. A pergunta é esta: se o ministro da Justiça considerou necessário reunir-se com os secretários de segurança do Rio e de São Paulo para definir uma linha comum de ação contra a quebra de vidraças e a queima de ônibus, por que não agiu da mesma forma para estipular uma linha comum de ação contra as milhares de execuções extra-judiciais nas favelas do Rio, na Baixada fluminense e nas periferias de São Paulo? O quebra-quebra é mais grave do que o genocídio de negros e pobres? A violência contra o patrimônio é mais importante do que a violência letal perpetrada por instituições do Estado? Que critério justifica essa chocante inversão de prioridades? O ministro, os secretários e os governadores não têm como responder, mas a população que conhece de perto a selvageria chancelada pelo Estado sabe a razão. A grande mídia saudou a união de forças das três instâncias e ignorou a absurda disparidade entre as abordagens. Sob o cinismo de sua retórica, ela também sabe a razão. O ministro e seus interlocutores também sabem. Mas não a podem enunciar. Por isso, não podem responder a pergunta mais simples: por que?
Vou responder pelo ministro e pelos secretários. A resposta desdobra-se em dois pontos: (1) A prioridade da ação política do Estado, em suas três instâncias, é definida pelo poder econômico e a cor da pele dos potenciais afetados pelo problema ao qual se atribui prioridade, e não por sua relevância intrínseca. (2) No caso das manifestações, os Estados exigiram que a União se envolvesse –em vez de dispensar ajuda, como sempre fazem, porque aceitá-la seria admitir fraqueza– para dividir os ônus políticos com o PT. Só por isso sacrificaram sua imagem de auto-suficiência. Reprimir manifestações implicará grande desgaste. Por isso, Cabral e Alkmim foram tão humildes na busca de “cooperação” e o fizeram, “por acaso”, ao mesmo tempo. Será que a grande mídia acha que os leitores somos idiotas? Será que os editorialistas não perceberam que nós tod@s percebemos o óbvio? Ninguém quer cooperação com ninguém. Esse teatro é tão falso quanto uma nota de três reais. O encontro com o ministro foi uma melancólica coreografia alquímica para metamorfosear em “ato nobre de estadistas cooperativos” o abraço que os afogados deram no pescoço do PT, puxando-o, via José Eduardo Cardozo, até submergir, uma vez que desgaste compartilhado deixa de sê-lo e, assim, salvam-se os três náufragos. Isto é, neutralizam-se os respectivos prováveis desgastes que virão. E que se intensificarão na Copa, pouco antes das eleições.