Dentro da noite feroz: O fascismo no Brasil
Dentro da noite feroz: O fascismo no Brasil
Neste ensaio inédito, o antropólogo Luiz Eduardo Soares apresenta uma aproximação entre o bolsonarismo (entendido como o conjunto de discursos e práticas de Bolsonaro e de seus apoiadores) e o fascismo. Abordando as principais características do que seria um regime fascista e de que forma ele se aplica à realidade brasileira, o autor demonstra, utilizando-se de falas, manifestos e ações, a proximidade escancarada do governo Bolsonaro e seus apoiadores ao fascismo, em especial sua versão brasileira, o integralismo, criado na década de 1930. Escrito às vésperas de ser incluído em dossiê produzido pelo Ministério da Justiça contra funcionários públicos, policiais e formadores de opinião antifascistas, Soares desdobra os acontecimentos relativos a Bolsonaro desde a campanha de 2018, passando por uma análise do lavajatismo no Brasil, o assassinato de Marielle Franco, a intrínseca relação de Jair Bolsonaro e sua família com as milícias do Rio de Janeiro, a atuação de religiosos fundamentalistas e uma suposta volta do Brasil à ordem e aos chamados valores familiares tradicionais. De acordo com o autor, “a virilidade teatralizada na campanha e no governo de Bolsonaro, estendendo 28 anos de vida pública absolutamente coerentes e transparentes, nesse aspecto, seria posta de volta em seu lugar ‘original e eterno’, reafirmando a supremacia do macho, a superioridade da família tradicional, a regência exclusiva dos valores ditos verdadeiros, essenciais, naturais: esse é o apelo e a promessa implicada no bolsonarismo”. Arte da capa por Heleni Andrade.
Informações bibliográficas
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O Brasil e seu duplo
O Brasil e seu duplo
Quando Lula foi preso, em 2018, abrindo caminho para o triunfo eleitoral de Bolsonaro, o país mudou: desfez-se o consenso em torno do pacto constitucional, de natureza social-democrata. Desde então, afirmou-se uma direita radical que se contrapõe aos liberais e às esquerdas não só em matéria de prioridades e políticas públicas, mas também no plano ideológico. Como chegamos a essa situação? Quais seus pressupostos históricos e estruturais? Este livro enfrenta essas perguntas com brilhantismo e sagacidade.
título: O BRASIL E SEU DUPLO
isbn: 9786580309566
idioma: Português
encadernação: Brochura
formato: 13,5 x 20,7 x 1,7
páginas: 272
ano de edição: 2019
ano copyright: 2019
Desmilitarizar
Segurança pública tem sido tema recorrente na agenda pública, mas sua transformação profunda nunca esteve em cogitação. Em Desmilitarizar: segurança pública e direitos humanos, o antropólogo Luiz Eduardo Soares coloca em questão as razões para o imobilismo brasileiro em face da questão da violência. A partir do entendimento dos problemas diagnosticados tanto na esfera pública quanto na privada, o autor oferece propostas e orientações claras para superá-los.
Os quatorze ensaios aqui reunidos estão estruturados em quatro pilares temáticos: polícia, drogas, raízes da violência e direitos humanos. Somados à introdução e ao posfácio, formam um conjunto coeso que demonstra que a problemática da violência letal, inclusive a praticada pelo Estado, é decisiva para a reconstrução democrática e o combate ao racismo, aos preconceitos e às desigualdades. Não ficam de fora análises sobre as contraditórias UPPs, a guerra às drogas, a intervenção militar no Rio de Janeiro, o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e sobre relações entre o poder público e o crime organizado. E o livro conta ainda com um Glossário sobre segurança pública.
Desmilitarizar vai além de uma reportagem jornalística ou mesmo da pesquisa acadêmica, seu maior objetivo é provocar mudanças em como encaramos a segurança pública no Brasil. Trazendo sua experiência como secretário Nacional de Segurança Pública, subsecretário de Segurança e coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo Soares dirige-se não só a especialistas, mas também a ativistas, movimentos sociais, sindicatos e associações de policiais.
- autor: Luiz Eduardo Soares
- apresentação: Marcelo Freixo
- orelha: Julita Lemgruber
- quarta capa: Paulo Sérgio Pinheiro
- selo:BOITEMPO EDITORIAL
- páginas:296
- formato:16cm x 23cm x 1cm
- peso:478 gr
- ano de publicação:2019
- encadernação:Brochura
- ISBN:9788575596968
Rio de Janeiro: Histórias de vida e morte

Capas dos livros publicadas no Brasil, Itália e Inglaterra
Formato: Livro
Autor: SOARES, LUIZ EDUARDO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
Assunto: BIOGRAFIAS/AUTOBIOGRAFIAS/DIÁRIOS/MEMÓRIAS/CARTAS
O antropólogo Luiz Eduardo Soares, autor do livro que inspirou o filme Tropa de elite, conhece o Rio de Janeiro como poucos. Pesquisador de renome e ex-integrante da área de segurança pública dos governos estadual e federal, convive há décadas com as mazelas da cidade: o tráfico de drogas, a corrupção policial, a violência.
Este livro é resultado dessa experiência singular. Escrito com mão leve, ritmo de thriller e faro jornalístico, Rio de Janeiro é um retrato impactante sobre as desigualdades, o racismo, a degradação da política, a violência do Estado e o ódio que se derrama sobre a cidade, colocando em risco a beleza exuberante do eterno cartão-postal do Brasil.
Tudo ou Nada
Formato: Livro
Autor: SOARES, LUIZ EDUARDO
Editora: NOVA FRONTEIRA
Assunto: BIOGRAFIAS/AUTOBIOGRAFIAS/DIÁRIOS/MEMÓRIAS/CARTAS
Um avião decola com dezenas de caixas de cigarro, pesando 25 quilos cada uma, e as lança em alto mar, onde são recuperadas por pequenas embarcações e levadas a alguma ilha do Caribe. De lá seguem num veleiro, acima de qualquer suspeita, para Londres. Segundo o autor, é desta forma que toneladas de cocaína são transportadas da selva colombiana até a Inglaterra. Luiz Eduardo Soares se propõe a descrever os bastidores dessa trama, ao relatar a história de um brasileiro que foi preso em Londres com 2 toneladas de cocaína e condenado a 24 anos de prisão por associação ao tráfico internacional de drogas.
Justiça
Formato: Livro
Autor: SOARES, LUIZ EDUARDO
Editora: NOVA FRONTEIRA
Assunto: CIÊNCIAS SOCIAIS – SOCIOLOGIA
“BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO. Quem já não ouviu esta frase? A partir de uma emocionante conversa com um motorista de táxi, chocado com o assassinato de um colega durante um assalto, o antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares desfaz uma a uma as certezas do senso comum neste desconcertante livro. O que é exatamente violência, esta palavra tão repetida no dia a dia? Existe relação entre o crime cometido e o castigo recebido? A defesa dos direitos humanos seria um estímulo à impunidade? Com a argúcia de um filósofo e a experiência de quem conhece o universo criminal de perto, o autor vai até o âmago da questão. E mostra que o sentido de uma história depende sempre do ponto a partir do qual começamos a contá-la. Ao ampliar o foco da questão da violência, deixa claro que Justiça não se reduz a punição. Para Luiz Eduardo Soares, Justiça é sinônimo de equidade. Por isso, uma das formas mais repulsivas de desigualdade social estaria exatamente no acesso a ela, da abordagem policial — que varia de acordo com o local, a roupa de quem é revistado, a cor da pele, a faixa etária, o sexo, o nível de renda e a classe social — até a sentença do juiz e o cumprimento da pena.”
· Justiça – nota sobre o livro no Extra (RJ): Justiça [Extra – RJ – 28/9/2011 pág: 11]
· Justiça – indicação de leitura no jornal O Popular (GO): Biblioteca [O Popular – Goiânia – 11/10/2011 pág: 7]
· Justiça – nota indicando o livro como leitura no Zero Hora (RS): Lançamentos [Zero Hora – Porto Alegre – 8/10/2011 pág: 3]
· Justiça – nota sobre lançamento e noite de autógrafos do livro na seção Cultura do Estado de Minas (BH): 12 – Justiça rima com perdão [Estado de Minas – BH – 23/11/2011 pág: 8]
· Justiça – matéria sobre seu novo livro. Justiça rima com perdão [Divirta-Se / Online – — – ARTE E LIVROS – 23/11/2011]
· Justiça – entrevista com o autor e registro do lançamento do livro na Folha de SP: Ex-traficante sai da cadeia direto para as passarelas [Folha de S. Paulo – SP – 4/9/2011 pág: C4 e C5], reproduzida na Folha.com: Antropólogo defende menos prisão e divisão de responsabilidades [Folha.com / Online – 4/9/2011 pág: Online]
· Justiça – entrevista com o autor na Folha de SP online: 28 – Em livro, antropólogo defende menos prisão
· Justiça – entrevista com o autor no programa Globo News Em Pauta: http://g1.globo.com/videos/globo-news/globo-news-em-pauta/v/luiz-eduardo-soares-fala-de-seu-novo-livro-justica/164810
· Justiça – matéria sobre noite de lançamento do livro e bate-papo com o autor na seção Fornadas do site PQN – O Portal da Comunicação: 9 – Sempre Um Papo recebe Luiz Eduardo Soares [PQN – O Portal da Comunicação / Online – 17/11/2011 pág: Online]
· Justiça – matéria sobre o livro e entrevista com o autor na seção Entrevista da Revista Cult (SP): 13 – Capitão renascimento [Revista Cult – SP – 1/11/2011 pág: 14 a 18]
· Justiça – entrevista sobre o livro para o Globo Blogs: Luiz Eduardo Soares lança livro sobre Justiça brasileira
Elite da Tropa 2
Formato: Livro
Autor: SOARES, LUIZ EDUARDO
Autor: BATISTA, ANDRE
Autor: PIMENTEL, RODRIGO
Autor: FERRAZ, CLAUDIO
Editora: NOVA FRONTEIRA
Assunto: LITERATURA BRASILEIRA
“(…) minha vida tem sido investigar e liquidar o crime organizado sob a face mais cruel: as milícias. Dito assim soa bem? Acho que sim, mas não cauteriza nem preenche o buraco imenso em minha vida pessoal que o destino cavou.Com o anjo da morte na cadeia, mais um passo vai ser dado no rumo certo. Tudo bem. Contudo, outras milícias brotarão Rio afora, hoje, amanhã. A fonte continua ativa. As polícias estão aí, entregues à própria sorte e a um ou outro corregedor destemido, nadando contra a corrente. O esforço, meu, do Fausto, de Aluízio, Marquinho e Tonico, de nossa tribo, vai dar em que lugar? O esforço é generoso, concordo. Mas vai mudar o quê? De que adianta correr atrás do leite derramado, apagar incêndio, reduzir os danos de uma tragédia maior do que nós?”
“Elite da Tropa 2” é uma obra de ficção baseada em fatos atuais sobre o crime organizado no Rio de Janeiro. Escrito pelo antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, uma das maiores autoridades em segurança pública no Brasil ao lado de três co-autores que conviveram de perto com a violência na cidade, é a continuação da obra que, lançada em 2006, foi um grande sucesso ao apresentar aos leitores, sob o ponto de vista da polícia, os detalhes das nossas selvagens guerrilhas urbanas. Agora, “Elite da Tropa 2” mostra, por meio de uma narrativa fluída e reveladora, os bastidores das verdadeiras máfias brasileiras: as milícias. São histórias verdadeiras e fictícias cabe ao leitor aplicar os adjetivos a cada episódio e personagem.
Luiz Eduardo Soares
O livro Elite da Tropa 2 é a quarta obra de uma tetralogia à qual dediquei os últimos sete anos de trabalho. A série inclui Cabeça de Porco (escrito com MV Bill e Celso Athayde –Objetiva, 2005), Elite da Tropa (com André Batista e Rodrigo Pimentel –Objetiva, 2006) e Espírito Santo(com Carlos Eduardo Ribeiro Lemos e Rodney Miranda –Objetiva, 2009).
A intenção do Cabeça de Porco era mergulhar no mundo de valores, percepções, sentimentos, relações e práticas dos jovens envolvidos com a violência armada, nas áreas mais vulneráveis de cidades situadas em todas as cinco regiões do país. O propósito era compreender, não julgar, e levar os leitores a compartilhar nossa experiência de interlocução com esses jovens. A expectativa era proporcionar um contato empático com um universo ignorado e distante da maioria dos leitores; um universo humano refratado quase sempre pelo véu de estigmas, preconceitos, ódio e temor. Não tencionávamos fazer a apologia da violência ou sequer justificá-la, mas desvelar suas raízes, plantadas fundas como punhais no corpo e na alma de crianças e adolescentes socialmente invisíveis, devastados pela rejeição e a indiferença, pela fome de afeto e reconhecimento (que pode ser mais dolorosa e devastadora do que a fome física), por estigmas, racismo, desigualdades monstruosas e as iniquidades naturalizadas.
A intenção do primeiro Elite da Tropa era a mesma, mas aplicada aos supostos inimigos daqueles jovens focalizados no Cabeça: os policiais. Quem são esses personagens que vestem uniforme, recebem salários, armas e instrução do Estado, e caçam traficantes nos morros, nas vilas, favelas e periferias, como feitores de um escravismo extinto? Quem são esses policiais que, em nome da Lei, a transgridem sem pudor e piedade, matando seus irmãos de classe numa insensata “falsa-guerra” fratricida? No Rio de Janeiro, por exemplo, os números descrevem um genocídio de jovens pobres, na maioria negros: entre 2003 e 2009, inclusive, 7.854 foram mortos por ações policiais. A categoria oficial, “autos-de-resistência”, omite o fato de que, segundo estimativas apoiadas em pesquisas sobre os dados de 2003, cerca de 65% dos aludidos confrontos confrontam apenas a verdade, pois se referem, na realidade, a execuções extra-judiciais. Seriam os policiais indivíduos sádicos, pervertidos, assassinos contumazes por prazer e vocação? Nesse caso, como explicar a escala assombrosa alcançada pela brutalidade individual dos policiais e a manutenção de tamanha regularidade, ao longo do tempo, configura um padrão e apresentando o perfil de uma … política? Ao mergulhar no universo de emoções, valores, visões de mundo e experiências dos policiais, procuramos compartilhar com os leitores algumas surpresas para quem só opera com estereótipos: lá estão seres humanos como quaisquer de nós, que chegam muito jovens para o processo de formação e cedo aprendem o que depois aplicarão. São cidadãos trabalhadores, oriundos principalmente das classes populares, que cumprem ordens, acreditando, ao fazê-lo, estar honrando seu país, sua instituição e os valores que foram levados a cultuar. Muitos se perdem na corrupção mais degradante; outros, submetidos a treinamentos que emulam a “lavagem cerebral”, convertem-se em máquinas de matar e torturar, confundindo heroísmo com brutalidade letal contra suspeitos e patriotismo com violação dos direitos mais elementares dos segmentos sociais estigmatizados. Nesse contexto, propusemos aos leitores uma pergunta: o problema é individual? Os policiais, individualmente, são “inimigos do povo”? A responsabilidade se esgota neles, enquanto indivíduos? A questão se resume a “desvios de conduta”, como sugerem as declarações oficiais? Ou se trata de um consistente e permanente programa institucional, alicerçado em uma cultura corporativa anti-democrática (refratária aos direitos humanos e aos mandamentos constitucionais) e alimentado por decisões criminosas de autoridades e governantes? Ademais, acrescentamos: esse mecanismo de horror e morte, envolto nas máscaras da segurança pública, não poderia se sustentar sem que a venda da Justiça a cegasse para a barbárie em curso. Todavia, tampouco a Justiça poderia manter-se alheia, se a maioria da sociedade não se omitisse, adotando postura hipócrita e cúmplice.
Tais conclusões conduziram ao terceiro livro, Espírito Santo, cujo foco é o crime organizado plantado no próprio judiciário e infiltrado nas instituições políticas e policiais. O assassinato do jovem, brilhante, honrado e corajoso juiz, Alexandre Martins de Castro Filho, em 2003, é o ponto de partida da narrativa que explora o labirinto das investigações até o desvendamento da trama covarde. Indivíduos têm responsabilidade. Não devemos ser paternalistas ou tapar o sol com a peneira. Mas se não houver espaços políticos e brechas institucionais, apoios coletivos e conexões com interesses maiores, não explicamos a cadeia dos episódios. Mesmo as paixões têm lastros numa realidade mais ampla que as canalizam em determinadas direções e limitam suas possibilidades de expressão criminosa. Por isso, é o Judiciário que está em tela de juízo, não os indivíduos, isoladamente.
Por fim, chegamos ao livro que acaba de ser publicado, Elite da Tropa 2 (em parceria com Cláudio Ferraz, A. Batista e R. Pimentel –Nova Fronteira, 2010). Nessa obra, as principais intenções são as seguintes: (1) chamar a atenção para as milícias e mostrar como elas funcionam e como tiranizam comunidades vulneráveis de modo selvagem. Elas são máfias formadas sobretudo por policiais e constituem as formas mais graves do crime organizado, no Brasil, ligando, organicamente, corrupção e brutalidade policiais às instituições políticas e a outras instituições públicas. (2) Ao contar a história das milícias, procuramos demonstrar que, no Rio, não há mais espaço para falar em corrupção e brutalidade policial como problemas menores, secundários, circunstanciais. Nem é mais legítimo falar em crime e violência, no Rio (mas o ovo da serpente está disseminado, ainda que variações regionais sejam significativas), sem admitir que numerosos contingentes policiais são os mais destacados e poderosos empreendedores das dinâmicas criminosas. Foi-se o tempo em que policiais eram cúmplices por omissão ou mesmo por sociedade passiva. Hoje, no Rio de Janeiro, eles são os principais protagonistas das formas mais perversas e perigosas da criminalidade. Ressalve-se, entretanto, que não generalizamos. Seria absolutamente injusto com dezenas de milhares de profissionais honestos, que arriscam sua vida por salários indignos. Eles são vítimas desse processo: sofrem os efeitos da degradação institucional; pagam o preço da deteriorada imagem pública; sentem-se acuados, humilhados e traídos pela presença arrogante e crescente dos falsos colegas. (3) Ao incluir na trama um militante dos direitos humanos que se elege deputado e luta contra as milícias com desassombro, imensa generosidade e admirável dignidade, prestamos uma homenagem a Marcelo Freixo (deputado estadual pelo PSOL), mas também mostramos que nem tudo está perdido na política e nas polícias (pois há alguns personagens policiais também muito positivos). Um personagem literário não é uma pessoa real. A ficcionalização que transforma Marcelo Freixo em “Marcelo Freitas” mesclou características reais de Freixo com outras, inspiradas em outras pessoas, e as combinou com alguns elementos imaginários, para permitir sínteses e mergulhos na subjetividade que exigem liberdade criativa. Mas a homenagem é verdadeira e a defesa da política nobre e virtuosa se realizou. (4) A obra procura, ainda, trabalhar em profundidade dilemas éticos, demonstrando não haver cartilhas, dogmas ou gramáticas capazes de abarcar a exuberante e subversiva produtividade do real, que nos desafia continuamente com dilemas inesperados e de imensa complexidade, exigindo da consciência ética a mesma ousadia e fecundidade que se requer da criação estética. E como, para mim, não há política virtuosa, digna, justa, boa ou correta, dissociada da ética, acredito que, tendo discutido questões éticas pela mediação dos dramas vividos pelos personagens, o livro Elite da Tropa 2, também por esse viés, contribui para o debate político.
Antes de concluir, um alerta: as milícias são filhas bastardas da segurança privada informal e ilegal. Na medida em que esta está presente em todo o país, a matriz genética das máfias policiais já se nacionalizou. Explico: com raríssimas exceções, os salários da massa policial são insuficientes, no Brasil –para dizer o mínimo e manter-me fiel a um vocabulário educado. Para sobreviver e garantir a reprodução de sua unidade doméstica, os trabalhadores policiais, em sua maioria, buscam uma segunda ocupação, um “bico”. Vão desempenhá-lo, quase sempre, como é natural, na área de sua especialidade: a segurança. Ocorre que, em quase todo o país –e por boas razões–, é ilegal o servidor da segurança pública vincular-se à segurança privada. Posto não ser permitido fazê-lo formalmente, engaja-se, então, o policial, no setor informal da segurança privada ou nela atua, informalmente. Os malefícios para sua saúde, para seu desempenho na segurança pública e os riscos à sua própria vida são evidentes –as mortes de policiais concentram-se na “folga”. Apesar de tudo isso ser amplamente conhecido, as autoridades fingem nada ver. Não fiscalizam. Não tomam qualquer providência. Afinal, sabem que se fiscalizarem a segurança privada informal, encontrarão seus policiais fazendo o “bico”. E também sabem que se reprimirem essa ilegalidade, a demanda salarial se projetará sobre o governo, provocando o colapso do orçamento –que é, vale repetir, irreal. A Polícia Federal é responsável por essa fiscalização, mas com 14.500 funcionários e uma infinidade de atribuições não teria como realizá-la (mesmo se o desejasse, o que, por óbvio, não é o caso). Os governos estaduais poderiam reivindicar essa atribuição, mediante convênio –como foi feito no passado, por pouco tempo. Mas não têm o menor interesse em meter a mão no vespeiro, optando por preservar o gato-orçamentário, isto é, o financiamento privado (informal e ilegal) da segurança pública. Eis, portanto, o Estado despudoradamente partido: um pé na legalidade, outro na ilegalidade.
O problema maior (há vários outros muito sérios) é este: sob o manto da negligência oficial, prosperam dinâmicas benignas e malignas. As primeiras, a despeito dos males que causam (os já referidos e outros), representam esforços honestos (ainda que ilegais) de homens e mulheres policiais que apenas lutam para completar sua renda. As dinâmicas malignas começam nas ações de policiais corruptos que provocam insegurança para vender segurança; prosseguem na formação de esquadrões da morte e grupos de extermínio; e alcançam o patamar superior de degradação e gravidade quando deságuam na organização de milícias.
Por isso, o livro Elite da Tropa 2 lança este alerta à sociedade: ainda que só o Rio conheça as manifestações mais articuladas e perigosas das milícias, o ovo da serpente já se espalhou pelo país. Até quando os governos continuarão deitados em berço esplêndido, se ufanando do crescimento econômico, alheios ao veneno que avança na retaguarda do Estado, alimentado pelo gato orçamentário e suas implicações?
Espírito Santo
Formato: Livro
Autor: SOARES, LUIZ EDUARDO
Autor: LEMOS, CARLOS EDUARDO RIBEIRO
Autor: MIRANDA, RODNEY ROCHA
Editora: OBJETIVA
Assunto: LITERATURA BRASILEIRA
Combinando histórias verídicas com ficção baseada em fatos reais, os autores deste livro relatam aqui a luta travada contra o crime organizado capixaba, indo da descoberta, quase que por acaso, do seu modus operandi, à prisão dos carrascos de Alexandre. ‘Espírito Santo’ revela como a criminalidade colocou um estado de joelhos, revelando sua fragilidade diante de uma rede criminosa que chega a se confundir com ele, tamanha a proximidade entre bandidos e criminosos. Ao mesmo tempo, mostra que, contra todas as expectativas, a batalha entre a Justiça e a barbárie ainda não está perdida.
“Os acusados pela execução e seus auxiliares diretos, que estão condenados e presos, são pobres, moravam em bairros pobres e têm baixa escolaridade. Os dois policiais condenados ocupam posições subalternas na corporação militar.
Por outro lado, os três acusados pelo planejamento e a contratação dos executores ainda aguardam julgamento. Em liberdade. Eles têm graus elevados de escolaridade e níveis de renda altos. Por sua vez, o policial envolvido é um coronel, isto é, ocupa a posição hierárquica superior na instituição.
Elite da Tropa
Formato: Livro
Autor: SOARES, LUIZ EDUARDO
Autor: BATISTA, ANDRE
Autor: PIMENTEL, RODRIGO
Editora: OBJETIVA
Assunto: LITERATURA BRASILEIRA
Depois de cavalgar 100 quilômetros, sem arreio e sem descanso, mortos de fome e sede, eles têm licença para um descanso brevíssimo até que alguém anuncie que a comida está servida – sobre a lona, onde o grupo exaurido vai se debruçar para comer tudo o que conseguir, com as mãos, em dois minutos. Esta é apenas uma das etapas de treinamento da tropa de elite da polícia. Eles obedecem a regras estritas, as leis da guerrilha urbana. Na dúvida, mate. Máquinas de guerra, eles foram treinados para ser a melhor tropa urbana do mundo, um grupo pequeno e fechado de homens atuando com força máxima e devastadora. ‘Elite da Tropa’ mostra este lado desconhecido do combate diário, nas grandes cidades – o ponto de vista do policial, seus hábitos, medos e desafios. A partir de experiências reais, os autores criaram uma ficção que surpreende, ao mostrar o cotidiano de homens adestrados para se transformarem em cães selvagens. ‘Elite da Tropa’ é uma narrativa de ficção, na qual fatos e cenários foram reescritos em parte ou no seu todo. Na primeira parte do livro, concentram-se relatos sobre o cotidiano dos policiais de elite. Na segunda, um dos nossos personagens seguirá numa trama envolvendo autoridades de segurança, traficantes, políticos e policiais – uma rede que tece alianças improváveis entre os vários atores deste cenário. Assinado por uma das maiores autoridades do Brasil em segurança, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, e dois policiais, André Batista e Rodrigo Pimentel, este livro revela subterrâneos explosivos de uma cidade partida.
AINDA QUE sob a forma de narrativas fictícias apresentadas pelo personagem de um policial, Elite da tropa é resultado de uma combinação das experiências de seus autores na corporação policial e na gestão da segurança pública. O livro tem a autoria do antropólogo Luiz Eduardo Soares, que atuou na gestão da segurança pública como coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do governo do Rio de Janeiro entre 1999 e 2000, e como secretário nacional de Segurança Pública em 2003; de André Batista e Rodrigo Pimentel que, durante os anos 1990, integraram o Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Bope).
Elite da tropa apresenta um panorama sombrio da segurança pública no Rio de Janeiro, explicitando que as “políticas” de segurança não prescindem da violência policial no trato da criminalidade, que a corrupção está profundamente arraigada nas instituições e que existe uma forte relação entre violência e corrupção.
Dividido em duas partes, o livro se inicia com um conjunto de 22 episódios nos quais se sobressai o padrão violento de atuação policial nas áreas pobres do Rio de Janeiro, para em seguida detalhar a estreita relação entre o poder público e o crime organizado, sustentada por uma rede de corrupção que envolve figuras políticas de diferentes níveis, empresários, policiais e traficantes. Embora limitado literariamente, Elite da tropa procura esclarecer por meio da ficção como se articulam os principais elementos que contribuem para a manutenção do quadro caótico da segurança pública no Rio de Janeiro.
Na primeira parte, denominada “Diário de guerra”, são narrados variados episódios de incursões policiais, sobretudo do Bope, nos morros cariocas. Nessas incursões, destaca-se a violência policial como padrão de atuação no combate à criminalidade – violência policial aqui entendida como o uso arbitrário, truculento e ilegal da força pelos agentes policiais. Se, para aqueles que dedicam uma leitura mais atenta aos noticiários policiais, esses casos não constituem novidade, para quem está alheio à realidade da relação entre polícia e população pobre o livro traz uma forte denúncia.
Assim denominado em 1991, o Bope foi criado em 1978, após ganhar força a idéia de que a polícia militar necessitava de um grupo especial para atuar em situações de crise (sobretudo depois de 1974, quando o diretor de um presídio rebelado foi morto após a invasão do prédio pela polícia [www.policiamilitar.rj.gov.br/bope]). Entre as suas missões estão o combate ao crime organizado, a captura de delinqüentes fortemente armados, o resgate de reféns e a contenção de rebeliões, entre outras operações de alto risco. Para tanto, os policiais recebem uma formação diferenciada, voltada para operações de guerra urbana, que inclui um processo severo de seleção e treinamento. No livro, o Bope é considerado uma tropa de elite que se distingue dos demais integrantes da corporação policial militar e da polícia civil em razão de sua alta qualificação técnica e de sua resistência à corrupção, ao menos no período em que o grupo congregava no máximo 150 homens. O orgulho profissional e pessoal de pertencer a um grupo de elite funcionaria como um elemento inibidor da corrupção, apresentada como um problema generalizado na “polícia convencional”; porém, com o aumento do número de seus integrantes, o grupo não resistiria a essa prática.
O Bope é apresentado como uma força de guerra treinada para atuar na segurança pública, uma tropa de guerra urbana destinada a intervir em territórios onde o trabalho policial de investigação e prevenção, pautado pela normalidade democrática, praticamente não existe. Se, por um lado, a cultura organizacional do Bope condenava a corrupção e cultivava o sentimento de honestidade entre os seus integrantes, por outro, valorizava o recurso à violência como meio de atuação policial. O polêmico grito de guerra apresentado no prefácio dá a tônica das ações do grupo cuja missão seria “invadir favela e deixar corpo no chão […] espalhando a violência, a morte e o terror […] somos apenas selvagens cães de guerra”.
O resultado dessa lógica é explicitado no conjunto de casos cujo enredo se repete: policiais sobem o morro e promovem o extermínio de seus opositores, os delinqüentes, normalmente denominados “vagabundos” ou “marginais”. Além de valorizadas, a ponto de serem consideradas legítimas aos olhos dos policiais, essas ações truculentas, arbitrárias e ilegais praticamente não encontram a barreira dos mecanismos institucionais, internos ou externos, que deveriam detê-las e permanecem impunes. Esse padrão de atuação violenta não afeta apenas os chamados bandidos: a vitimização de policiais é alta e “inocentes” também são atingidos, como crianças vítimas de balas perdidas ou testemunhas da ação policial que são eliminadas. Porém, diante da missão de exterminar “bandidos”, as demais vítimas aparecem como danos colaterais, para usar uma expressão atual. Na grande maioria dos casos, o perfil das vítimas segue o mesmo padrão indicado pelas pesquisas de vitimização e freqüentemente denunciado por organizações de direitos humanos: são majoritariamente homens, jovens, negros, moradores das favelas. Os poucos casos em que vítimas do sexo feminino não escapam aos abusos policiais vêm confirmar a regra.
A violência policial relatada compreende desde “pequenas” crueldades e espancamentos até tortura e execução sumária de supostos delinqüentes, e não raramente é orientada pelo racismo. A tortura é empregada recorrentemente como castigo ao infrator ou como método de trabalho policial: nesse caso, trata-se de infligir sofrimento ao outro por meio de técnicas com objetivo de obter confissões. E para tanto, os policiais contam com a autorização de seus superiores e a conivência dos pares, até mesmo da corregedoria.
São raros os momentos em que o narrador demonstra ambigüidade ao tratar de temas tão espinhosos como tortura e execuções de pessoas. Mas, assim como na guerra, o uso desmedido da força é validado por meio da desumanização do inimigo, invariavelmente um “marginal” que “deve” ser eliminado. A capacidade de o indivíduo julgar e se contrapor à lógica em uso da corporação parece não resistir aos primeiros tempos da carreira: acostuma-se.
Ao mesmo tempo, a forma como a ação policial é conduzida durante as incursões não permite desfechos não violentos. Por um lado, o objetivo de enfrentar e eliminar o inimigo resulta em altíssima letalidade; por outro, quanto mais os policiais se expõem em abordagens que colocam em risco sua integridade física, mais eles recorrem a meios violentos para sua própria proteção, aumentando o risco de tiros acidentais que vitimam pares. Os “inimigos”, por sua vez, cientes de que não há opção de rendição, reagem na mesma proporção. Prevalece a lógica do extermínio e da vingança: no cotidiano de homicídios no Rio de Janeiro, a ação policial é equiparada a uma vingança contra a morte de civis e de policiais provocada por criminosos durante assaltos e perseguições. Interessante é o claro reconhecimento de que essa política de extermínio provocou o aumento da violência contra os policiais, visto que ao delinqüente sem possibilidade de rendição restou a reação armada, e de que os ataques promovidos contra a corporação policial também são reflexo da vingança que os policiais praticam às vezes contra uma favela inteira.
Ao contrário da primeira parte do livro, a segunda parte narra uma única história, ou uma história única, focada no uso político das polícias em um intricado jogo de interesses. O envolvimento de políticos e dos comandos das forças policiais com as atividades ilícitas faz que o mundo público e o privado se confundam de tal maneira que a leitura acaba demandando um esforço maior, dada a estranheza das situações relatadas.
Em “Dois anos depois: a cidade beija a lona”, ultrapassa-se o cenário das incursões nos morros, predominante na primeira parte, em que os personagens são basicamente policiais e “bandidos”. Novos personagens entram em cena nesse relato sobre uma rede de corrupção e violência que envolve autoridades públicas, políticos, policiais, empresários e criminosos que não freqüentam os circuitos das favelas, além dos cidadãos comuns que acabam involuntariamente envolvidos na trama.
O episódio começa com o resgate de um traficante por policiais, a mando do delegado chefe da polícia civil do Rio de Janeiro. O objetivo da ação não era prendê-lo, mas obrigá-lo a retomar suas atividades no tráfico de drogas da Rocinha, onde os negócios eram altamente rentáveis por não envolver o trabalho de crianças ou conflitos violentos e, assim, não atrair a atenção das autoridades. O dinheiro arrecadado com o tráfico seria usado pelo delegado para saldar suas dívidas de campanha a deputado estadual. Entre os personagens da primeira parte do livro que reaparecem nessa história, está Santiago, um policial militar íntegro ao entrar na polícia, que se corrompeu quando passou a trabalhar na capital. Participa de esquemas de extorsão, usa da violência e abusa de sua prerrogativa de policial para praticar atividades ilegais.
Para retomar o comando dos negócios e afastar os agentes do Bope que ocupavam a Rocinha, policiais que participavam do conluio realizam um seqüestro, provocam guerras e conflitos em outros morros da cidade. Também grampeiam linhas telefônicas e fazem dossiês que ficam guardados e funcionam como “cartas na manga” tanto para chantagear quanto para derrubar pessoas que ocupam postos de comando. O grupo atua na tentativa de criar um problema em outro morro para desviar a atenção das autoridades e conseguir a transferência dos homens do Bope, até então incorruptíveis, para outro lugar. No entanto, nem tudo ocorre conforme o planejando. Isso acaba desencadeando uma série de acontecimentos que, vistos pelo cidadão comum, se caracterizam como casos isolados, sem nenhuma relação. Por exemplo, o chefe do tráfico manda promover um quebra-quebra com ataques e ônibus incendiados, o presídio onde esse traficante está preso passa por uma rebelião, pessoas são assassinadas, da noite para o dia surgem escândalos envolvendo pessoas públicas. O que aparentemente se apresenta como mais um problema pontual no cotidiano violento de uma grande cidade trata-se, na verdade, de uma reação ou resposta às movimentações que ocorrem nos bastidores das polícias e da política, dentro de esquemas de corrupção e poder. Somente aqueles que participam direta ou indiretamente dos esquemas conseguem conectar os fatos e, às vezes, até mesmo essas pessoas não têm muita clareza sobre os acontecimentos, pois os propósitos dos envolvidos nunca são facilmente apreendidos e a confiança não é um bem durável nessas relações.
Pode-se dizer que o grande mérito desse trabalho é o fato de a denúncia, dessa vez, ter partido de policiais que participaram ativamente do cotidiano da segurança pública em uma grande cidade. E mais ainda, de enfatizar que a corrupção é um problema generalizado, envolve altos escalões e não está restrita aos praças e policiais que operam nas ruas. Se, por um lado, os policiais de baixo escalão se envolvem em ilegalidades cotidianas, por outro, à medida que sobem na hierarquia policial, mais complexas, organizadas e rentáveis se tornam as associações criminosas. Denúncias como essa, até então feitas por órgãos externos, tais como organizações de defesa dos direitos humanos, jornalistas ou acadêmicos, ganham outra dimensão quando seus próprios atores vêm a público expor o que as “políticas públicas” impõem aos agentes da segurança e à população.
O livro dá os detalhes de uma realidade espinhosa: a ilegalidade é fonte de lucro para os policiais envolvidos, juntamente com outros atores, em redes de corrupção com origem em negócios de transporte clandestino, serviços de segurança privada, jogos eletrônicos, jogo do bicho e transações com traficantes. Explicita a relação entre corrupção e violência: essa é uma moeda corrente, empregada por policiais e traficantes quando acordos relacionados a extorsões e venda de armas são rompidos, e que atinge não só a população dos morros, mas também desce para o asfalto. Por fim, revela a fragilidade institucional, visto que, se a polícia é tão forte para empregar a violência contra as populações pobres, é incapaz de resistir ao uso político da instituição pelos governos ou a pressões políticas que visam gerar benefícios pessoais a autoridades. E, principalmente, aponta para a funcionalidade da inexistência de uma política pública efetiva na área da segurança, para que interesses outros de diferentes escalões do poder sejam protegidos.
O que se pratica, por meio das forças policiais, é uma contenção dos conflitos mediante a repressão ilegítima. O grau da repressão adotada varia de acordo com a intensidade dos conflitos entre as facções rivais dos morros ou conforme os interesses escusos de políticos e empresários.
As ações voltadas para o combate ao tráfico de drogas nos morros cariocas provam que o trabalho da polícia se resume em eliminar pessoas e abrir vagas para os mais novos ascenderem na carreira do tráfico. Como a mão-de-obra disponível é enorme, cria-se o ciclo em que a polícia mata e novos indivíduos assumem os postos, mesmo conscientes de que não terão longevidade. Isso não é combate ao crime organizado, é matança generalizada. Combater o narcotráfico exige a intervenção na forte e complexa rede de corrupção que agrega autoridades políticas, instituições em suas altas hierarquias e criminosos que vivem no asfalto, inseridos no circuito econômico “legal” e freqüentando as colunas sociais. Enquanto esses mantêm os seus negócios, policiais aterrorizam a população e se beneficiam da corrupção, seja no atacado seja no varejo, e a (des)ordem social é mantida no seu lugar. O cidadão comum, que muitas vezes tem seu cotidiano alterado em razão das ondas de violência, não conhece as verdadeiras razões das crises e os principais fatores da insegurança pública que acometem grandes cidades como o Rio de Janeiro.
Se o contexto exige uma demonstração de força mais incisiva por parte do governo na área da segurança, é a polícia que exerce esse papel e sobre ela é que recaem tanto a pressão para um resultado “eficiente” quanto a responsabilidade por ações desastrosas. Se o resultado político da ação policial é positivo, a violência empregada é facilmente justificada, alegando-se a proporcionalidade no uso da força e a inevitabilidade das mortes. Todavia, essa violência não se aplica de forma homogênea à população, visto que as vítimas preferenciais são pobres e negras, “prováveis” traficantes; à elite branca, que alimenta o tráfico de entorpecentes, o tratamento dispensado é completamente diferente.
Outro aspecto que se sobressai são os diferentes propósitos da truculência da polícia que ora funciona como procedimento de “limpeza social” para eliminar os bandidos, ora funciona como meio de resolução de disputas entre quadrilhas que têm policiais entre os seus integrantes. Entre as mortes causadas pela polícia, diariamente publicadas nos jornais, fica difícil identificar o que realmente é resultado de um confronto inevitável daquilo que é resultado de disputas que não atendem aos interesses civis democráticos. Tal “política de segurança” delineia um perfil violento às ações policiais, facilita a corrupção entre seus agentes, não pune o mau profissional e oferece ao bom policial no mínimo a opção de conivência. Qual é o resultado dessa lógica? A violência policial empregada nos morros, em princípio considerada eficiente, não rompe com a dinâmica do crime organizado cuja centralidade passa longe das favelas.
Assustador é o fato de que o livro não remete apenas à situação da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. O caos na gestão dos recursos materiais e humanos no sistema de segurança e justiça criminal e a tênue fronteira entre o mundo da legalidade e da ilegalidade parecem ser a regra e não a exceção no contexto brasileiro.
O desejo dos três autores é de que um dia a reconciliação entre a sociedade e polícia, que tem sua imagem e credibilidade tão desgastadas atualmente, seja possível. Para que esse processo se inicie, consideram necessário, primeiramente, encarar a verdade e reconhecê-la, sem hipocrisia, mesmo que seja pela mediação da ficção. No entanto, ir além da ficção e reconhecer essa verdade no nível institucional e social em busca de mudanças é o que parece ser o mais complicado, visto que o custo político e mesmo pessoal pode ser altíssimo. Os poucos que tentam se aventurar nessa direção são eliminados, derrubados ou desmoralizados. Enquanto isso, o cidadão comum figura como mero espectador prostrado diante dos eventos.
Prólogo para as edições argentina e espanhola de Elite da Tropa
Os brasileiros vivemos sob ditadura entre 1964 e 1988, quando foi promulgada a primeira Constituição realmente democrática de nossa história. Alguns historiadores disputam a data, porque o regime autoritário foi se desmontando gradualmente, ao longo de muitos anos, sem rupturas. Este é o estilo nacional: em vez de revoluções e insurgências sangrentas, a negociação entre as elites: espelho e fonte de nossas profundas e estruturais desigualdades.
Mas não se iludam: a proverbial disposição para o diálogo inter-pares não se estende para o relacionamento com as camadas subalternas e suas demandas por equidade, cidadania, condições dignas de vida. Luvas e conciliação, no vértice superior da pirâmide social; ferro e fogo, embaixo –sempre que os velhos métodos da cooptação clientelista entram em colapso.
De todo modo, a nova Carta Magna democrática consagrou o desfecho da transição política. Voto, saúde, educação e assistência social passaram a ser reconhecidos como direitos universais. Acabou a censura, a impostura, a tortura.
Pausa. Melhor voltar a fita: acabou a censura, sim, é fato; mas a tortura ainda convive conosco como um espectro do passado a assombrar o presente e condenar o futuro à impostura da farsa política: patética repetição de nossa tragédia arcaica.
A diferença é que, nos anos sombrios dos governos militares, o terror do Estado se dirigia a todos os que lutavam por liberdade, indistintamente. As garras e os dentes da máquina repressiva alcançavam estudantes, intelectuais, lideranças políticas e profissionais liberais. A tortura tornou-se um escândalo porque chegou à classe média. Sim, pois, afinal, não foi a ditadura que inventou as práticas bárbaras do aparelho coercitivo. Independentemente do regime político e da conjuntura histórica, ela sempre existiu no Brasil para os pobres e negros –antes, durante e depois da ditadura militar. E persiste até hoje.
A diferença é que, não mais atingindo a classe média, deixou de ter lugar de honra no panteão dos temas nobres; deixou de frequentar o repertório politicamente relevante da agenda nacional; perdeu acesso aos editoriais da grande imprensa; desapareceu no horizonte da criação estética; eclipsou-se na academia como objeto digno; refluiu para os bastidores da cena pública. E não só a tortura. Também as execuções extra-judiciais, que constituem uma violação grosseira e dramática dos fundamentos mais elementares do Estado Democrático de Direito.
O Estado brasileiro –mesmo em ambiente francamente democrático e regido por honorável Constituição– transgride, rotineiramente, a legalidade que lhe cumpre respeitar e fazer cumprir: na abordagem policial discriminatória, que submete a aplicação da lei ao crivo seletivo de classe e cor; no descumprimento de suas responsabilidades face às penas e às prisões, ao impor aos condenados um excedente da sentença em humilhações, brutalidade, doenças, condições absolutamente desumanas; no desprezo do Estatuto da Criança e do Adolescente; na convivência abúlica e cúmplice com as desigualdades no acesso à Justiça.
Por outro lado, as políticas de “mano dura”, predominantes no Brasil mesmo no período democrático, terminaram produzindo o contrário do que pretendiam: tencionavam eliminar o crime, nem que o preço fosse rasgar a Carta Magna e os Direitos Humanos –afinal, o horror ficaria confinado aos estratos mais pobres… O resultado paradoxal e surpreendente para os defensores do “tough on crime” e da “tolerância zero” deveu-se, sobretudo, ao seguinte: quando a autoridade superior da segurança pública atribui ao policial autoridade para matar, liberando-o para agir arbitrariamente, sem que suas decisões e seus atos lhe custem qualquer prejuízo, risco para a carreira ou processo judicial[1], muitos profissionais optam por negociar com os suspeitos a vida e a liberdade. Afinal, quem pode, arbitrariamente, retirá-las, pode, pela mesma (des)razão, preservá-las.
Gerou-se, assim, uma torpe moeda sempre inflacionada. Das negociações ad hoc, no varejo dos encontros e desencontros, nas ruelas sujas e escuras das cidades grandes, saltou-se para um segundo estágio no processo de “racionalização” e “institucionalização” da corrupção (pois a economia ilegal também se rege por princípios racionais e previsíveis): o aluguel de casas clandestinas para as quais eram conduzidos os suspeitos e negociadas, com intermediários, a vida e a liberdade. A escala se ampliou, os negócios prosperaram. Mas havia limites. A solução estava longe de ser ideal. Alugar e logo abandonar a casa, mantê-la clandestina, prender e sequestrar os suspeitos, administrar negociações complicadas e tensas, tudo isso implica riscos e custos. Emerge, então, a terceira fase na dinâmica evolutiva da corrupção policial, amparada na “mano dura”: o acordo ou “arrego”, um espanholismo que designa “areglo”, pacto. Melhor para todos os envolvidos, menos custos, mais eficiência: os segmentos corruptos da polícia terceirizam riscos e privatizam lucros. Os “agentes da lei” estipulam preços e recolhem toda semana, ou diariamente, determinada importância fixa ou variável –ou um percentual do lucro líquido dos ganhos proporcionados pelas atividades criminosas (especialmente do tráfico de armas e drogas).
Foi assim que numerosos grupos de policiais converteram-se em sócios do crime, transformando-se, portanto, eles mesmo em criminosos –a ponto de oferecerem segurança para o tráfico ou de transportarem armas para seus cúmplices. Vê-se, portanto, como a intenção de combater o crime com mais rigor e eficácia ao arrepio da lei acaba provocando efeitos perversos e gerando seu contrário: impotência, ineficiência e cumplicidade com o que se buscava combater. A degradação institucional tem múltiplas fontes. Uma delas é a política que sacrifica a legalidade para resguardá-la. Ilegalidade e desrespeito aos direitos humanos só promovem mais ilegalidade e iniquidades. Violência arbitrária e uso não-comedido da força provocam mais violência, numa espiral de morte e sofrimento, e de corrosão da própria legitimidade da Justiça e da democracia.
Além das políticas que flertavam com a truculência e o arbítrio, marcou o Brasil, no período pós-ditadura, a omissão relativamente às polícias e à estrutura organizacional da segurança pública. A indigência não caracterizou apenas as políticas de “mano dura”, mas também os debates (ou sua ausência) sobre políticas reformadoras, modernizadoras e democratizantes. Nenhuma iniciativa, nenhuma proposta alternativa.
A esquerda era e continua sendo competente nas denúncias, que são necessárias, sem dúvida, mas insuficientes. Quando chega ao governo, a esquerda repete as práticas (ou a negligência) que criticava. Por absoluta falta de rumo, de compreensão, de compromisso com a construção de uma polícia para a democracia do século XXI. Como se a polícia fosse tabu, um totem maligno, um intruso na história da civilização a ser expelido assim que se superem alguns entraves circunstanciais –as classes sociais, o modo de produção capitalista, a competição entre os humanos e outros pequenos detalhes. Como se definir e propor um papel positivo para a polícia nos marcos do Estado Democrático de Direito fosse render-se a um discurso necessariamente conservador ou permitir que a atenção às consequências (a violência, os crimes) desviasse a consciência do único foco legítimo: as causas estruturais sócioeconômicas. Até hoje, não houve qualquer mobilização em torno de qualquer proposta construtiva alternativa, que apontasse caminhos de mudança capazes de criar condições objetivas para a refundação das polícias em novas bases. Polícias de novo tipo, pensadas e organizadas para respeitar a cidadania e os direitos humanos, proteger direitos e liberdades, prevenindo a violência, recorrendo à força comedida apenas de acordo com a resistência que se lhe oponha, reprimindo violações dos direitos e liberdades.
A direita sempre esteve confortável com a solução ditatorial: a segurança pensada e estruturada para defender o Estado, não os cidadãos; para fazer valer o arbítrio com a força desmedida. Polícia, no limite, confundida com Exército. Umbilicalmente vinculada ao Exército. Espelhando-o, na verticalidade hierárquica, na centralização do processo decisório, na primazia do “pronto emprego” –sem participação da sociedade e dos próprios profissionais, em seu conjunto; sem controle externo; sem transparência. Instituições e agentes distantes do público, que só interagem com a sociedade quando infiltrados para investigar e punir. Os conservadores, aliados aos lobbies corporativos, obstruíram qualquer gesto isolado dos poucos atores políticos que se dispuseram a remar contra a maré.
A falta de vontade política da esquerda e a adesão da direita ao status quo institucional confluíram para uma bizarra coalizão conservadora: no processo constituinte, manteve-se, então, a estrutura organizacional legada pela ditadura. Duas polícias federais, subordinadas ao Ministério da Justiça: uma investigativa, outra rodoviária. Duas polícias em cada estado da federação e no distrito federal, cada uma delas realizando parte das funções: o ciclo de trabalho policial fraturado. Ambas comandadas pelo governo do estado (ou do DF): uma civil (investigativa); outra militar (ostensiva-uniformizada)–vinculada ao Exército e composta à sua imagem e semelhança. Nenhuma função para os municípios, em matéria de segurança pública. Nenhum lugar para a prevenção e a inter-setorialidade das políticas públicas, ou as inter-faces com programas sociais. Nenhuma atenção à capacitação e à mudança cultural dos agentes. Nenhuma palavra sobre os novos compromissos, nem a propósito da indispensável adequação de estruturas funcionais e mecanismos de gestão aos desafios emergentes.
As características dessa arquitetura organizacional facilitam a reprodução de velhas culturas corporativas e de antigos padrões de comportamento, incompatíveis com as exigências de uma sociedade complexa, que se moderniza aceleradamente, e cujas elevadas taxas de desigualdade dificultam mas não impedem a democratização.
Nesse contexto de estruturas peremptas, ingovernáveis e irracionais, sem transparência e sem oxigenação democrática, sofrem os próprios profissionais, desvalorizados (nos planos salarial e de formação), submetidos a plantões desumanos, expostos a riscos desnecessários e sujeitos a regimentos disciplinares medievais (inteiramente incompatíveis com a Constituição da República). Regimentos que são extremamente rigorosos com o cabelo grande, o atraso, o uniforme desalinhado e o coturno sujo, mas indulgentes com as faltas efetivamente graves perpetradas no exercício da função policial.
Contemplada a moldura de tantas deficiências, compreende-se por que temos sido, como Nação, incapazes de reverter as múltiplas dinâmicas da violência: perpetradas pela sociedade e pelo Estado. Os últimos dados razoavelmente confiáveis sobre homicídios dolosos no Brasil referem-se ao ano de 2006 e exibem a impressionante marca de 49.145 vítimas (26,3 por 100 mil habitantes). No estado do Rio de Janeiro, em 2008, houve 5.717 assassinatos (35,8 por 100 mil habitantes), e 5.095 pessoas desapareceram –muitas das quais terão sido sepultadas em cemitérios clandestinos, vítimas da violência letal intencional.
Ainda mais assustadores são os números da brutalidade policial letal, no estado do Rio de Janeiro: 1.195 pessoas foram mortas em ações policiais, em 2003 –65% das quais com sinais claros de execução. Em 2004, foram 983. Em 2005, 1098. Em 2006, 1063. Em 2007, 1330. Em 2008, 1.137. Estamos falando de 6.806 mortes, em seis anos. Evidente que esses números incluem muitos suspeitos que se recusaram a render-se e confrontaram os policiais, ameaçando-lhes a vida e gerando condições que tornam legítimo o uso da arma de fogo, por parte da polícia, e seu uso letal, quanto mais não fosse em legítima defesa. Mas o fato é que os dados são impressionantes, seja para demonstrar a brutalidade policial (via execuções extra-judiciais), seja para indicar o grau de violência empregado por criminosos, que se impõem pela força sobre territórios e suas populações, subtraindo-lhes direitos elementares –como o de ir e vir, organizar-se, expressar opiniões, recorrer a serviços públicos, não ser agredido, humilhado ou obrigado a esconder armas e drogas.
Note-se que as vítimas da polícia são, quase invariavelmente, jovens do sexo masculino, pobres e negros, entre 15 e 29 anos.
Observe-se, por outro lado, que os policiais também são vítimas de ações de criminosos, com frequência do modo mais cruel, covarde e arbitrário. De 2003 a 2007, 194 policiais civis e militares foram mortos em serviço[2]. E quem são esses profissionais da polícia? São, via de regra, oriundos das mesmas áreas da cidade, das mesmas favelas ou comunidades, das mesmas classes sociais e, não raro, têm a mesma cor de pele. Também são jovens do sexo masculino. Trata-se, portanto, de uma guerra fratricida.
Falar em guerra não é bom, porque acaba justificando a política belicista das incursões nas favelas e da “mano dura” arbitrária. Mas é sugestivo, porque mostra que, apesar de não estarmos em guerra, pagamos –em vidas, degradação e sofrimento humano– preço equivalente àquele pago pelas sociedades que estão em guerra. Além disso, ajuda a abrir caminhos, a pensar com ousadia, a imaginar com audácia soluções criativas e inovadoras. Por exemplo: se é de guerra que se trata, não estamos mais no patamar da mera (in)segurança pública, do simples “law enforcement”. Não basta, portanto, continuar falando em afirmação da legalidade e em trabalho policial, nem mesmo em programas preventivos. Se estamos diante de uma guerra, a gravidade não-rotineira autoriza heterodoxias. Ante uma guerra, fala-se na construção da paz e se revelam legítimas propostas de negociação, anistia, restauração de condições de diálogo, concessões, recuos, pactos –perdão e reconciliação. Nada disso tem guarida no código penal. Tudo isso encontra abrigo no bom senso, entretanto, quando é de guerra que falamos.
Falemos, pois, sim, sem pudor, com a voz embargada mas com coragem, na guerra entre irmãos, na aniquilação mútua dos pobres brasileiros, estimulados pela adrenalina do ódio e da cobiça, da desorientação institucional dos órgãos da segurança, acelerados pela corrupção, a falta de políticas públicas adequadas, modelos institucionais ultrapassados e a insanidade de uma política de drogas hipócrita e irrealista.
E não nos esqueçamos que o mais fácil seria também o mais injusto: definir o policial como “bode expiatório”, como o culpado, o criminoso, o bárbaro, o corrupto. Individualizar as culpas redime o Estado, as instituições policiais e as políticas de segurança pública, mas seria um equívoco. Antes de atribuir-lhe responsabilidades –e sem negar que elas também existam–, é preciso entender o que dele fazem as instituições do Estado que o recrutam e o treinam. É necessário desvendar a lógica das políticas de segurança que lhe incumbe implementar, mas cuja autoria não lhe pertence. É indispensável perceber que seus direitos humanos são ultrajados antes que ele transforme em método de ação o desrespeito que sofreu.
O livro que está diante de você é dividido em duas partes: a primeira é narrada pela voz de um policial; a segunda, nas diversas vozes de múltiplos personagens. Não há uma análise objetiva e autônoma, de um ponto de vista neutro. O sentido da polifonia caberá a você extrair ou imaginar, depois que a leitura lhe der acesso a todas as peças do mosaico. E se você duvidar da veracidade dos fatos construídos pelos relatos, saiba do seguinte: você tem razão; as coisas não se passaram exatamente assim. Não foi exatamente assim; foi muito pior. A realidade é mais assustadora. O que lhe oferecemos é um flash sem adereços retóricos, sem subterfúgios e adjetivações. Mas apenas um flash.
O labor sobre a linguagem exigiu anos de dedicação, para escavar com as unhas a alma sob o osso do anedótico. Porém, sem ingenuidades. Nenhuma narrativa é “o real”. Construímos o que denominamos “real”, coletivamente. Com a imaginação, lhe conferimos, aqui, uma ordem que lhe empresta um sentido crítico –iluminando o que costuma permanecer à sombra.
Em nosso caso, gostaríamos que esse sentido fosse um fio esticado para o futuro, ajudando-nos a reconstruir, na prática, esse real de que damos testemunho. Nosso foco é o Rio de Janeiro, mas talvez você encontre ingredientes universais nas cenas que lerá: o cômico, patético, épico, cru, árido, impolido, trágico, inverossímil, jornalístico, melodramático. Um pouco de nós estará aí –e até mesmo, quem sabe?, um pouco de você.
[1] Pelo contrário, no estado do Rio de Janeiro, entre 1995 e 1998, o agente da lei que matasse ganhava um adicional permanente em seu salário e um prêmio por bravura: a famigerada “premiação faroeste”.
[2] Em 2003, foram mortos em serviço 43 policiais militares e 7 policiais civis. Em 2004, 50 policiais militares perderam a vida, vítimas da violência. Em 2005, foram 24 policiais militares e 9 policiais civis. Em 2006, 27 PMs e 2 PCs. Em 2007, 23 policiais militares e 9 policiais civis foram mortos em serviço.
Segurança tem saida
Formato: Livro
Autor: SOARES, LUIZ EDUARDO
Editora: SEXTANTE
Assunto: CIÊNCIAS SOCIAIS – SOCIOLOGIA
Quando se pensa em segurança pública, as pessoas logo pensam que está tudo perdido e não há nada mais para dizer ou fazer. Luiz Eduardo Soares nos mostra neste livro sua proposta para melhoria da segurança pública destinada a todos que já não acreditam mais que se pode melhorar a segurança do Brasil.