Segurança Pública – Glossário
Segurança Pública.
Glossário, seguido da PEC-51
Luiz Eduardo Soares
A natureza das definições apresentadas neste glossário:
Os conceitos ou as categorias aqui definidas, se não forem apenas a réplica do texto constitucional, são tipos ideais, modelos abstratos destinados a cumprir duplo propósito, formalmente descritivos e normativos: (1) descrever as linhas gerais dos objetos a que se referem, em termos formais e abstratos –fenômenos sociais, processos históricos, experiências individuais ou coletivas (como percepções, sensações, crenças, conhecimentos e paixões), e invenções culturais como instituições, normas e valores–; e (2) expor parâmetros normativos que orientam expectativas, circunscrevem as condições de possibilidade e assinalam os limites para a obediência voluntária, sobre a qual repousa a autoridade (cujo exercício prescinde da força e nega a violência) e que se traduz na legitimidade do poder, compreendido como instrumento que viabiliza a sociabilidade e opera a mediação entre liberdade individual e justiça, enquanto equidade. Os pressupostos da perspectiva adotada nas definições são a autonomia do sujeito e a racionalidade interlocucionária: a plausibilidade de ambos, sua indissociabilidade e seu valor intrínseco. Em outras palavras, os conceitos tais como descritos não correspondem a experiências reais, mas a (1) referências indispensáveis à abordagem analítica das práticas e à sua avaliação objetiva e moral, (2) assim como a metas desejáveis e necessárias, se comparadas a alternativas, e portanto justificáveis em diálogos livres entre interlocutores iguais, do ponto de vista de seu poder. Ou seja, o Estado de direito no Brasil não tem correspondido à realidade da sociedade brasileira, tão profundamente iníqua. Segurança pública tem sido outro nome da violência. Políticas de segurança com frequência sequer existem, preferindo-se, não raro, a reprodução inercial das rotinas reativas, herdadas de fontes quase imemoriais, organicamente comprometidas com as desigualdades e o racismo. E assim sucessivamente. Contudo, a distância dos tipos ideais o críticos a pode identificar, e medir, graças a eles. A possibilidade de outro mundo o cidadão a vislumbra contemplando-os.
É importante acrescentar que, do ponto de vista das ciências sociais, há interpretações distintas, oriundas tanto do marxismo quanto, por exemplo, de paradigmas teóricos crítico-genealógicos, inspirados em Michel Foucault. Segundo estas perspectivas, os tipos ideais que descrevem o modelo normativo, na medida em que não correspondem às práticas empiricamente verificadas, apenas mascaram a realidade. Em vez de estruturas formalmente definidas por referência à Constituição, derivadas do modelo abstrato que desenha o Estado democrático de direito, seria mais apropriado observar processos historicamente vivenciados e, a partir deles, identificar o funcionamento efetivo do Estado, entendendo-o não como mecanismos, conceitos, valores e normas traídos por ações reais, mas como positividade instaurada no plano da experiência, cuja natureza não transcenderia a rotina degradante. Este argumento conduz à conclusão de que as polícias brasileiras são apenas, inelutável e exclusivamente, o que têm sido nas periferias, reduzindo-se à sua prática, inteiramente indiferente, senão contrárias, ao tipo ideal: instrumentos da violência do Estado contra negros e pobres, indutoras da reprodução do domínio de classe, fatores que aprofundam desigualdades sócio-econômicas e intensificam o racismo. Esta leitura, mesmo quando fiel à empiria, não incorpora a multidimensionalidade complexa da dinâmica história, a qual não se esgota nem na dimensão ideal-normativa nem na esfera das práticas, porque incorpora ambas as dimensões em seu tensionamento, em suas contradições. A Constituição brasileira, conquistada com o sacrifício de tantas vidas na resistência à ditadura, não é apenas a máscara civilizada da barbárie estatal que criminaliza a pobreza e extermina jovens, tampouco moldou uma realidade social à sua imagem e semelhança. Uma visão analiticamente mais aguda e teoricamente menos simplista exigiria que as duas dimensões fossem consideradas. A Constituição e suas determinações produzem, por mediações diversas, eventos e orientam práticas, interferindo na construção da realidade social, assim como a brutalidade feroz dos agentes do Estado intervém na vivência cotidiana da sociedade. Quando se atenta para a complexidade contraditória do social, quando se integram ambas as dimensões, passa a ser possível levar em conta, por exemplo, tanto o calvário de Amarildo –sua tortura e seu assassinato por policiais militares da UPP da Rocinha, no Rio de Janeiro–, quanto a identificação e a prisão de seus algozes. Se a brutalidade criminosa reduz-se ao mero funcionamento de instituições cuja função seria esta, brutalizar as classes populares, a mudança estaria descartada, a Constituição deixaria de representar um parâmetro para a crítica e a transformação dependeria de uma revolução, envolvendo a conquista do Estado (hipótese irrealista e incongruente, a considerar-se a história das revoluções e suas consequências no plano da repressão estatal) ou a formação de novos poderes (sobre cujo funcionamento em ambiente revolucionário nada se sabe que justifique qualquer otimismo relativamente ao respeito aos direitos humanos).
Estado democrático de direito:
O Estado democrático de direito é um complexo de instituições, divididas entre três esferas de poder –Executivo, Legislativo e Judiciário—regidas por uma Constituição, a qual, embora expressando a vontade majoritária da população, compromete-se a respeitar as minorias. Assim como acontece com as outras formas estatais, O Estado democrático de direito detém o monopólio do uso da força, sendo que, neste caso, tal prerrogativa reivindica uma qualidade distintiva, a legitimidade, porque é autorizado pela vontade popular, circunscrita pelo respeito às minorias.
Polícia:
O monopólio do uso da força, que caracteriza o Estado, e o monopólio do uso legítimo da força, que define o Estado democrático de direito, são exercidos por meio de instituições específicas: as Forças Armadas, quando a força, real ou potencial, aplica-se para defender o território e a soberania nacionais, contra ameaças externas; e as Polícias, quando a força, real ou potencial, aplica-se para garantir a fruição, pelos cidadãos, de seus direitos, ante a iminência de violações, ou para detê-las, quando em curso, ou para prevení-las e contribuir para reparar seus efeitos, por meio da participação nos mecanismos de persecução criminal, os quais implicam investigação, identificação de responsabilidades, prestação de denúncia, a cargo do Ministério Público, julgamento e prolatação de sentenças, atribuições da Justiça –sentenças eventualmente cumpridas no sistema penitenciário, quando determinar privação de liberdade. As aplicações da força são limitadas pelos princípios da proporcionalidade e do comedimento. As Forças Armadas formam o sistema de defesa e as Polícias, de segurança pública, o qual se vincula ao campo da Justiça criminal.
Ordem Pública:
Segundo o artigo 144 da Constituição federal, “a segurança pública é dever do Estado e direito, e responsabilidade, de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através das polícias e do corpo de bombeiros”. É possível ir além do texto constitucional citado acima, adotando uma perspectiva mais sociológica do que jurídica. Ordem pública, deste ponto de vista, pode ser interpretada como a correspondência (aproximada ou tendencial) entre os padrões normativos identificados na descrição objetiva das relações sociais cotidianas e os parâmetros legais e valorativos fixados na Constiuição. Portanto, ordem não é sinônimo de ausência de conflito, nem da mera reprodução conservadora de tradições e rotinas, ou de imposição autoritária e arbitrária de algum tipo de comportamento. Ordem pública, no Estado democrático de direito, equivale à aplicação na vida prática da sociedade dos princípios constitucionais. Em outras palavras, equivale ao respeito universal aos direitos, ou à identificação generalizada de que as garantias são, têm sido e serão garantidas, ou que, pelo menos, esta é a tendência predominante. O mais importante a observar é exatamente este ponto: se há razoável consenso quanto ao fato de que esta hipótese positiva constitua a tendência mais forte, haverá também a crença amplamente compartilhada de que o futuro próximo mais provável será caracterizado pela reiteração da garantia dos direitos. E como a ordem não é estática, está sempre em movimento, sendo, como é, o resultado momentâneo das ações e decisões dos indivíduos e dos grupos, a possibilidade de que o futuro positivo se confirme torna-se mais forte na medida em que todos creiam que assim será, posto que suas decisões serão orientadas por esta expectativa favorável. E aqui passamos do conceito de ordem ao conceito de segurança pública.
Segurança Pública:
O primeiro impulso de quem se dedica a pensar o tema é conceber segurança como ausência de crimes ou violência. Mesmo sendo uma realidade utópica, valeria como referência, modelo ou tipo ideal. No entanto, há duas questões a enfrentar: (1) crime não existe antes que uma lei assim o defina. O fato, por exemplo, de que beber álcool seja declarado crime não faz com que a abstinência represente segurança, nem para quem gosta da bebida proibida, nem mesmo para os demais, uma vez que a proibição pode significar perseguições, medo e a criação do tráfico de bebidas, como ocorreu na Lei Seca, nos Estados Unidos, na década de 30 do século passado. Por outro lado, e violência é uma categoria cultural muito variável, a depender da cultura e do momento histórico. Além disso, há a violência positiva e a negativa, de acordo com critérios em disputa. Tome-se como exemplo o caso das lutas esportivas ou a circunstância em que um ato violento impede a violência arbitrária cometida contra inocentes. (2) E se a ausência de crimes retratar a paz dos cemitérios, isto é, resultar da repressão brutal por parte de um Estado totalitário? Alguém se sente seguro sob um regime ditatorial? A resposta é não. Ou seja, o terror do Estado provê a ordem oriunda do medo, a previsibilidade derivada da mais radical insegurança, não a ordem que deriva da confiança, abrindo espaço para o exercício da liberdade e da criatividade. Portanto, é preciso incluir uma mediação entre ordem e segurança públicas: o Estado democrático de direito. É apenas em seu âmbito que ordem e segurança se afinam. Ao trazer o tipo de Estado para o centro das reflexões, afastamos a aplicabilidade do conceito segurança pública às sociedades sem Estado, para as quais não fazem sentido as ideias de lei, polícia e justiça criminal.
Quando indagamos se alguém sente-se seguro numa ditadura, introduzimos uma noção fundamental: a sensação (de medo ou tranquilidade, instabilidade ou confiança, insegurança ou segurança), a qual deriva da percepção que temos sobre as interações de que participamos, sobre o contexto em que nos situamos e as circunstâncias em torno de nós e das pessoas significativas para nós. No fundo, tudo se resume à confiança que julgamos poder depositar nos outros, especialmente naqueles que desconhecemos. Confiar ou desconfiar, este é o segredo. É disso que depende o convívio que denominamos vida social. Estado existe para reduzir a desconfiança, assim como suas instituições que respondem por ordem pública e segurança não constituem, em boa medida, operadores dos sentimentos, na medida em que funcionem como redutores da desconfiança e do medo. Elas são, no modelo ideal, personificações da autoridade, mecanismo que converte medo em confiança. Por que estamos tratando de sentimentos e não da substância da segurança, segundo a visão usual: os crimes e seu controle? Claro que reduzir crimes importa, mas não basta. Longe disso. Senão vejamos: alguém seria capaz de indicar um determinado número de assassinatos como sendo o limite que separa a sociedade segura de outra insegura? A segurança pode ser definida quantitativamente? A resposta seria sim apenas quando o número for zero. Mas desse modo limitamos o conceito segurança pública ao modelo ideal, praticamente irrealizável, salvo excepcionalmente. Claro que quão mais próximo o número fosse de zero, mais segura a sociedade seria, desde que, vale insistir, o contexto fosse o Estado democrático de direito e não o totalitarismo arbitrário. No entanto, como lidar com fenômenos tão comuns que têm a ver com os limites da comparação? Seja a comparação entre os crimes e como cada modalidade de prática criminosa afeta as percepções (as quais dependem dos vínculos de cada indivíduo com os territórios mais vulneráveis e também da natureza das narrativas midiáticas que divulgam os crimes); seja a comparação entre o presente e o passado (ou a memória seletiva) de cada sociedade; seja a comparação entre diferentes sociedades. Focalizando apenas um exemplo: para uma pequena cidade em que nada grave acontece, um homicídio pode disseminar o medo e desencadear comportamentos agressivos que, em nome da autodefesa, terminem por precipitar o efeito que se deseja evitar. Um número considerado assustador em uma cidade pode ser percebido como tranquilizador, em outra, indicando declínio da insegurança. O crescimento de assaltos pode suscitar uma onda de medo e insegurança, mesmo que os crimes contra a vida, os mais graves, estejam em declínio. O que uns percebem, outros ignoram, uma vez que a mídia não trata com equidade todos os casos e que os espaços urbanos são muito desiguais, em todos os sentidos, inclusive quanto à vulnerabilidade à prática de crimes, especialmente os mais violentos. Além disso, a experiência da insegurança pode crescer, contrariando os dados, porque mais gente vai, a cada ano, ingressando no universo das vítimas de um ou outro tipo de crime. Quem já foi vítima não esquece o que sofreu, não deixa de participar do universo das vítimas no ano seguinte, apenas porque não voltou a ser vítima.
De que adianta informar aos cidadãos que se reduziu a probabilidade de que ele ou ela, ou seus filhos, vizinhos, parentes e amigos, sejam vítimas de crime, se permanece negativa a percepção compartilhada, ainda que desigualmente distribuída entre classes sociais, grupos etários e habitantes de áreas diferentes? A confiança não se restabelece simplesmente pela divulgação de números mais favoráveis, até porque probabilidades valem para a coletividade, não para indivíduos. Isso mostra que, ainda que analiticamente seja necessário fazê-lo, no fluxo da vida real, a sensação, fruto da percepção, e os eventos criminais –ou assim interpretados– são duas faces da mesma moeda, são dimensões inseparáveis, e ambas as faces têm de ser levadas em conta tanto na conceitualização da segurança quanto na elaboração de diagnósticos e de planos de ação institucionais e governamentais. Observe-se que as percepções, ainda que não se fundamentem exclusivamente na identificação de eventos criminais, reconhecem sua existência e lhes atribuem valor segundo escalas próprias e variadas.
A conclusão conduz a uma definição que sintetiza o conjunto das reflexões apresentadas: segurança pública é a estabilização, e a universalização, de expectativas favoráveis quanto às interações sociais. Ou, em outras palavras, segurança é a generalização da confiança na ordem pública, a qual corresponde à profecia que se auto-cumpre e à capacidade do poder público de prevenir intervenções que obstruam este processo de conversão das expectativas positivas em confirmações reiteradas. Compreende-se, neste contexto, por que a postura dos policiais é tão decisiva: seu foco não são apenas os crimes, sua prevenção, ou a persecução criminal, mas também o estabelecimento de laços de respeito e confiança com a sociedade, sem os quais a própria confiança nas relações sociais dificilmente se consolida. Ordem tem menos a ver com força ou repressão do que com vínculos de respeito e confiança.
Polícia Militar:
De acordo com o artigo 144 da Constituição federal, às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. As polícias militares são forças auxiliares e reserva do Exército, e subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Polícia Civil:
Afirma a Constituição federal, em seu artigo 144, que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Polícia Federal:
Segundo a Constituição federal, em seu artigo 144, a polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
Polícia Rodoviária Federal:
Diz o artigo 144 da Constituição federal que a polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Guarda Municipal:
Os municípios, segundo o artigo 144 da Constituição Federal, poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Observe-se que esta definição constitucional não corresponde à realidade que se observa no Brasil contemporâneo, na qual há centenas de Guardas Municipais que atuam como entidades análogas às instituições policiais, particularmente às polícias militares. Fazem muito mais do que proteger bens, serviços e instalações municipais. Elas se tornaram personagens importantes demais para permanecer à margem da arquitetura institucional da segurança pública.
Arquitetura Institucional da Segurança Pública:
São as instituições que atuam no campo da segurança pública, em todo o país, e o arranjo formal que limita, impõe e dita os termos de suas interrelações, estabelecendo também as condições nas quais dar-se-ão as conexões entre elas e as instituições que não pertencem ao campo específico da segurança pública. O arranjo institui um sistema que não é autossuficiente, uma vez que complementa e é complementado por outras instituições e estruturas institucionais, como a Justiça criminal e o sistema penitenciário. Além disso, harmoniza-se com o ordenamento federalista brasileiro, em cujo âmbito aos estados e municípios atribui-se autonomia relativa. Assim, a arquitetura institucional da segurança pública, desenhada pela Constituição federal, envolve a distribuição de responsabilidades e autoridade entre a União e os entes federados, assim como a identificação dos atores institucionais, sobretudo as polícias.
Modelo Policial:
É a definição constitucional das características organizacionais, de suas interrelações e das funções conferidas às polícias, enquanto atores inscritos na arquitetura institucional da segurança pública. No caso brasileiro, o modelo prevê a existência de duas polícias federais e duas polícias em cada estado e no Distrito Federal, uma civil, outra militar, à primeira cabendo a investigação criminal, à segunda, a prevenção e a preservação da ordem pública. O modelo determina, portanto, a divisão do ciclo do trabalho policial em duas partes, conferindo a cada polícia estadual uma parte das tarefas. Observe-se que o modelo policial brasileiro, segundo a Constituição federal, não inclui as Guardas Municipais. A Constituição atribui-lhes papel limitado e específico: a proteção de bens, serviços e instalações municipais. Registre-se que a relativa marginalização do município, verificada no artigo 144 da Constituição Federal, colide com a tendência nacional de compartilhamento quando não municipalização das políticas públicas, como se constata em áreas como educação, saúde e ação social.
Ciclo Completo:
Refere-se ao conjunto de tarefas constitucionalmente atribuídas às instituições policiais, as quais envolvem a investigação criminal e o trabalho ostensivo, uniformizado, preventivo. No caso brasileiro, o modelo policial previsto pela Constituição veda que à mesma instituição policial, com exceção da Polícia Federal, seja conferida a responsabilidade de cumprir o ciclo completo.
Carreira Única:
Descreve um certo tipo de trajetória profissional prescrita por cada instituição (no caso, policial) cuja característica distintiva é o ingresso único e, portanto, comum, sem prejuízo das especialidades e das ramificações de funções, assim como das hierarquizações internas, as quais dependerão, ao longo do exercício profissional, da avaliação de méritos individuais, de exames sobre a competência e de avaliações de desempenho. Nas polícias federal, civis e militares, há duas portas de entrada: uma para o cargo de delegado, outra para os demais cargos; uma para a posição de oficial; outra para praças.
Política de Segurança:
É um conjunto sistemático de programas, projetos e ações (de natureza preventiva e/ou repressiva, no sentido que a persecução criminal confere ao termo) –concebidos a partir de diagnósticos continuamente revisados, atualizados e monitorados com base em avaliações dos resultados obtidos—a serem empreendidos pelas polícias e pelas demais agências que funcionam sob a autoridade da secretaria de segurança pública (ou de entidade análoga), os quais serão executados em consonância com os marcos legais vigentes, visando a efetivação prática, tão plena quanto possível, da garantia constitucional de acesso universal e equitativo dos cidadãos a seus direitos individuais e coletivos. A secretaria de segurança vale-se também, para a implementação da política que lhe cabe gerir, da mobilização de parcerias ou acordos cooperativos com outros órgãos governamentais das três esferas do poder executivo –municipal, estadual e federal–, com as instituições inscritas no campo da Justiça criminal e com atores da sociedades civil, sem abdicação de suas responsabilidades exclusivas. Observe-se que programas, projetos e ações podem incluir mudanças de mecanismos e procedimentos policiais, nos limites circunscritos pelos marcos constitucionais vigentes, posto que os órgãos sob sua autoridade correspondem a meios para a aplicação da política pública em pauta. Em síntese, a política de segurança, como toda política pública, caracteriza-se por identificar prioridades e estabelecer meios de atendê-las, mobilizando para este fim seus recursos humanos, intelectuais, tecnológicos, materiais e financeiros. O grande desafio para as políticas públicas, especialmente para as políticas de segurança, são os efeitos não antecipados das ações sociais (individuais, coletivas ou promovidas por instituições), também denominados efeitos de agregação ou efeitos perversos, por um lado, e a impermeabilidade das instituições, por outro. Por impermeabilidade entendem-se aqui as limitações impostas a eventuais intervenções transformadoras das políticas de segurança nas estruturas organizacionais das polícias pela arquitetura institucional da segurança pública –a qual inclui o modelo policial–, estabelecida pela Constituição federal.
Gestão da Segurança Pública:
Refere-se à orientação prática e administrativa do conjunto das instituições que atuam no campo da segurança pública, às quais cumpre executar a política definida pela secretaria de segurança ou entidade análoga. Portanto, a gestão operacionaliza as decisões políticas superiores, adotadas no âmbito da secretaria, fazendo com que as máquinas institucionais funcionem de modo a realizar os objetivos estipulados pela política de segurança, do modo mais adequado ao cumprimento desses objetivos, respeitados os princípios constitucionais. Uma vez que outras instituições, além daquelas subordinadas à secretaria, podem participar da implementação da política de segurança, por decisão própria ou determinação superior, a gestão da segurança pode abrir-se a parcerias, desde que suas responsabilidades específicas não sejam abandonadas ou transferidas a terceiros. Observe-se que a gestão tem de ater-se a fazer funcionar –melhor ou pior, com mais ou menos efetividade, numa ou noutra direção—os mecanismos institucionais sob seu comando ou a máquina de que dispõe, assim como os profissionais com que pode contar –já formados, alimentados em certas tradições e imersos em determinada cultura corporativa. Em suma, uma gestão não molda a instituição que dirige, nem a submete integralmente a seu comando, mesmo que as engrenagens institucionais favoreçam a governança. Convém registrar que a disciplina fruto da rigidez hierárquica e da centralização decisória, e de regimentos severos e repressivos, não implica elevada qualidade da governança, salvo em circunstâncias excepcionais. Esta qualidade em geral provém da magnitude e da intensidade da participação dos profissionais, em ambiente que estimule a confiança e a criatividade, o que pressupõe descentralização e distribuição de responsabilidades. Por isso, é preciso considerar os limites que as estruturas organizacionais –e outros fatores como a tradição corporativa– impõem à gestão, assim como a inviabilidade de uma política pública insensível aos limites da gestão que a porá em marcha.
Política Criminal:
É o conjunto das decisões legislativas que classificam determinadas práticas como criminosas, vedando-as e as tornando alvo de políticas de segurança ou, mais especificamente, de ações policiais e judiciais, que envolvem sanções e penalizações. Assim como as políticas públicas formuladas e aplicadas pelo poder executivo, a política criminal, estipulada pelo poder legislativo e implementada pelo poder judiciário –uma vez empreendida a persecução criminal na esfera policial, isto é, do executivo–, enfrenta o dilema dos efeitos perversos. Por exemplo, se a vontade dos legisladores é proibir o acesso da população a determinadas substâncias psicoativas –ou inibir este acesso e reduzir o consumo—não alcançará necessariamente seus objetivos se declarar proibido o acesso. Fazendo-o pode, em vez de obter o resultado esperado, estimular práticas criminosas muito mais graves, além de ferir princípios matriciais da Constituição. Portanto, a política criminal não pode cingir-se a expressar dogmas, crenças, convicções e valores. Se pretende ter compromisso com as consequências que deseja produzir, tem de antecipar os efeitos de sua aplicação, quando as normas criadas atravessarem as teias complexas e dinâmicas do social.
Desmilitarizar:
Não se trata de um conceito nem mesmo de uma categoria cujo significado seja consensual. Há quem defina a palavra atribuindo-lhe um significado político e cultural, visando estimular mudanças no comportamento dos policiais. Entendem que sendo militares, os profissionais tenderiam naturalmente a conceber seu ofício não como a prestação de um serviço público destinado à cidadania, mas como combate ao inimigo interno, o que elevaria a violência a graus inaceitáveis e conflitantes com a natureza de instituições policiais submetidas ao Estado democrático de direito. Há os que pensam desmilitarização na clave dos direitos dos policiais enquanto cidadãos trabalhadores: o caráter militar das instituições refletir-se-ia em regimentos disciplinares draconianos e inconstitucionais, que violariam os direitos dos profissionais. Nesse contexto, dar-se-ia a super-exploração da força de trabalho policial, calada e domesticada pelo arbítrio punitivo dos superiores sobre os subalternos, em benefício de governos estaduais insensíveis à dignidade do trabalho e aos direitos humanos dos operadores da segurança pública menos graduados. Impedidos de se organizar, criticar, propor mudanças e formular demandas, os policiais seriam as primeiras e principais vítimas de um ordenamento discricionário e autoritário. Há ainda os que evocam a desmilitarização e a defendem, sustentando que as características militares da instituição só teriam como função proporcionar condições para o exercício eficiente do controle interno, viabilizando uma governança competente e eficiente. Constatando que as PMs têm demonstrado inúmeros e frequentes exemplos de que não há controle interno eficiente, tantos e tão seguidos são os casos de corrupção e brutalidade ilegal, deduzem que desmoronou a última razão que poderia justificar a manutenção da forma militar de organização das polícias ostensivas estaduais brasileiras.
Mesmo concordando com as abordagens referidas, a perspectiva que inspirou a PEC-51 enfatiza outro aspecto ao propor a desmilitarização, até porque entende a natureza militar da polícia de um modo bastante específico. Em nosso regime legal, ditado pelo artigo 144 da Constituição Federal, conferir à polícia ostensiva o atributo militar significa obrigá-la a organizar-se à semelhança do exército, do qual ela é considerada força reserva. Sabe-se que o melhor formato organizacional é aquele que melhor serve às finalidades da instituição. Não há um formato ideal em abstrato. A forma mais adequada de organização de uma universidade é diferente daquela que melhor atende às necessidades de um supermercado, um partido político ou uma empresa de comunicação. Finalidades distintas exigem estruturas organizacionais diversas. Portanto, só seria racional reproduzir na polícia o formato do exército se as finalidades de ambas as instituições fossem as mesmas. Não é o que diz a Constituição, nem o que manda o bom senso. O exército destina-se a defender o território e a soberania nacional. Para cumprir essa função, precisa organizar-se para executar o “pronto emprego”, isto é, mobilizar grandes contingentes humanos e equipamentos com máxima presteza e estrita observância das ordens emanadas do comando. Necessita manter-se alerta para ações de defesa e, no limite, fazer a guerra. O “pronto emprego” requer centralização decisória, hierarquia rígida e estrutura fortemente verticalizada. Portanto, a forma da organização atende às exigências impostas pelo cumprimento do papel constitucional que cabe à instituição. Nada disso se verifica na polícia militar. Sua função é garantir os direitos dos cidadãos, prevenindo e reprimindo violações, recorrendo ao uso comedido e proporcional da força. Segurança é um bem público que deve ser oferecido universalmente e com equidade pelos profissionais encarregados de prestar esse serviço à cidadania. Os confrontos de tipo quase-bélico correspondem às únicas situações em que alguma semelhança poderia ser identificada com o exército, ainda que mesmo aí haja diferenças significativas. De todo modo, os confrontos equivalem a uma quantidade proporcionalmente diminuta das atividades que envolvem as PMs. Não faria sentido impor a toda a instituição um modelo organizacional adequado a atender um número relativamente pequeno de suas atribuições. A imensa maioria dos desafios enfrentados pela polícia ostensiva é melhor resolvida com a aplicação de estratégias que são praticamente inviáveis na estrutura militar. A referência a que aqui se alude é o policiamento comunitário (os nomes variam conforme o país). Essa metodologia nada tem a ver com o “pronto emprego” e implica o seguinte: o policial na rua não se restringe a cumprir ordens, fazendo ronda de vigilância ou patrulhamento determinado pelo Estado-maior da corporação, em busca de prisões em flagrante. Ele ou ela é o profissional responsável por agir como o gestor local da segurança pública, o que significa, graças a uma educação interdisciplinar e altamente qualificada: (1) diagnosticar os problemas e identificar as prioridades, em diálogo com a comunidade mas sem reproduzir seus preconceitos; (2) planejar ações, mobilizando iniciativas multissetoriais do poder público, na perspectivas de prevenir e contando com o auxílio da comunidade, o que se obtém respeitando-a. Para que atue como gestor, é indispensável valorizar o(a) profissional que atua na ponta, dotando-o de meios de comunicação para convocar apoio e de autoridade para decidir. Há sempre supervisão e interconexão, mas sobretudo autonomia para atuação criativa e adaptação plástica a circunstâncias que tendem a ser específicas aos locais e aos momentos. Esse profissional dialoga, evita a judicialização quando pertinente, media conflitos, orienta-se pela prevenção e busca acima de tudo garantir os direitos dos cidadãos. Dependendo do tipo de problema, mais importante do que uma prisão, e uma abordagem depois que o mal já foi feito, pode ser iluminar e limpar uma praça, e estimular sua ocupação pela comunidade e pelo poder público, via secretarias de cultura e esportes, por exemplo. Esse o espírito do trabalho preventivo a serviço dos cidadãos, garantindo direitos. Esse o método que já se provou superior. Mas tudo isso requer uma organização horizontal, descentralizada e flexível. Justamente o inverso da estrutura militar.
Nesse sentido, desmilitarizar significa libertar a polícia da obrigação de imitar a centralização organizacional do exército, assumindo a especificidade de sua função: promover com equidade e na medida de suas possibilidades e limitações, a garantia dos direitos dos cidadãos e das cidadãs. As implicações desta mudança alcançam diversas dimensões, como aquelas indicadas pelos que postulam a desmilitarização a partir de considerações não-organizacionais.
Descentralização federativa:
Os Estados podem ser unitários ou federados. Segundo a Constituição, em seu artigo 18, “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. Os entes federados estão indissoluvelmente ligados entre si e submetidos em comum aos ditames constitucionais, em cujos termos se estabelece o Estado democrático de direito. Portanto, a autonomia referida é relativa, havendo entretanto espaço para sua ampliação ou redução, conforme a matéria e a capacidade política de negociação envolvida nos movimentos de cada ator, respeitadas as limitações permanentes que representam cláusulas pétreas. Desse modo, são legítimas propostas de emenda constitucional que envolvam a transferência aos estados da autoridade para definir de acordo com sua realidade, e a vontade da sociedade local, o modelo de polícia mais adequado, fixando-o na Constituição estadual, desde que sejam cumpridas as determinações expressas na Constituição Federal, as quais afirmam o que são polícias, quais suas condições de funcionamento e quais opções poderiam estar sujeitas a decisões estaduais. Dessa forma, poder-se-ia instaurar um regime, na segurança pública, de descentralização com integração sistêmica e unidade axiológica.
PEC:
É uma proposta de emenda à Constituição para mudá-la, o que é possível sempre que o objeto da alteração não interferir ou fundamentar-se em cláusulas pétreas. A transformação do texto constitucional pode realizar-se de vários modos: reformulando seus termos, acrescentando outros, suprimindo alguns ou substituindo suas determinações. Distingue-se, portanto, a PEC, dos projetos de lei usuais, que tramitam rotineiramente nas duas casas do Congresso nacional ou nas Assembleias Legislativas dos estados e nas Câmaras Municipais. Os projetos de lei infra-constitucionais não tem a pretensão de alterar a Lei maior do país, a Carta Magna, matriz e parâmetro para a própria avaliação da pertinência ou da legitimidade das demais legislações. Por sua importância, a aprovação depende do voto de pelo menos três quintos da Câmara, em dois turnos (308 dos 513 deputados federais), e de, no mínimo, 60% do Senado (49 dos 81 senadores), também em dois turnos.
PEC-51:
A PEC-51 pretende promover a trasformação da arquitetura institucional da segurança pública. Suas
teses principais são as seguintes:
(1) Desmilitarização: as PMs deixam de existir como tais, porque perdem o caráter militar, dado pelo vínculo orgânico com o Exército (enquanto força reserva) e pelo espelhamento organizacional. (2) Toda instituição policial passa a ordenar-se em carreira única. Hoje, na PM, há duas polícias: oficiais e praças. Na polícia civil, delegados e não-delegados. (3) Toda polícia deve realizar o ciclo completo do trabalho policial (preventivo, ostensivo, investigativo). Sepulta-se, assim, a divisão do ciclo do trabalho policial entre militares e civis. Por obstar a eficiência e minar a cooperação, sua permanência é contestada por 70% dos profissionais da segurança em todo o país. (4) A decisão sobre o formato das polícias operando nos estados (e nos municípios) cabe aos Estados. O Brasil é diverso e o federalismo deve ser observado. O Amazonas não requer o mesmo modelo policial adequado a São Paulo, por exemplo. Uma camisa-de-força nacional choca-se com as diferenças entre as regiões. (5) A escolha dos Estados restringe-se ao repertório estabelecido na Constituição –pela PEC–, o qual se define a partir de dois critérios e suas combinações: territorial e criminal, isto é, as polícias se organizarão segundo tipos criminais e/ou circunscrições espaciais. Por exemplo: um estado poderia criar polícias (sempre de ciclo completo) municipais nos maiores municípios, as quais focalizariam os crimes de pequeno potencial ofensivo (previstos na Lei 9.099); uma polícia estadual dedicada a prevenir e investigar a criminalidade correspondente aos demais tipos penais, salvo onde não houvesse polícia municipal; e uma polícia estadual destinada a trabalhar exclusivamente contra o crime organizado. Há muitas outras possibilidades autorizadas pela PEC, evidentemente, porque são vários os formatos que derivam da combinação dos critérios referidos. (6) A depender das decisões estaduais, os municípios poderão, portanto, assumir novas e amplas responsabilidades na segurança pública. A própria municipalização integral poder-se-ia dar, no estado que assim decidisse. O artigo 144 da Constituição, atualmente vigente, é omisso em relação ao Município, suscitando um desenho que contrasta com o que ocorre em todas as outras políticas sociais. Na educação, na saúde e na assistência social, o município tem se tornado agente de grande importância, articulado a sistemas integrados, os quais envolvem as distintas esferas, distribuindo responsabilidades de modo complementar. O artigo 144, hoje, autoriza a criação de guarda municipal, entendendo-a como corpo de vigias dos “próprios municipais”, não como ator da segurança pública. As guardas civis têm se multiplicado no país por iniciativa ad hoc de prefeitos, atendendo à demanda popular, mas sua constitucionalidade é discutível e, sobretudo, não seguem uma política nacional sistêmica e integrada, sob diretrizes claras. O resultado é que acabam se convertendo em pequenas PMs em desvio de função, repetindo vícios da matriz copiada. Perde-se, assim, uma oportunidade histórica de inventar instituições policiais de novo tipo, antecipando o futuro e o gestando, em vez de reproduzir equívocos do passado. (7) As responsabilidades da União são expandidas na educação, assumindo a atribuição de supervisionar e regulamentar a formação policial, respeitando diferenças institucionais, regionais e de especialidades, mas garantindo uma base comum e afinada com as finalidades afirmadas na Constituição. Hoje, a formação policial é uma verdadeira babel. (8) A PEC propõe avanços também no controle externo e na participação da sociedade, o que é decisivo para alterar o padrão de relacionamento das instituições policiais com as populações mais vulneráveis, atualmente marcado pela hostilidade, a qual reproduz desigualdades. (9) Os direitos trabalhistas dos profissionais da segurança serão plenamente respeitados durante as mudanças. A intenção é que todos os policiais sejam mais valorizados pelos governos, por suas instituições e pela sociedade. (10) A transição prevista será prudente, metódica, gradual e rigorosamente planejada, assim como transparente, envolvendo a participação da sociedade.
A seguir, o texto integral da PEC-51:
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº __, DE __ DE SETEMBRO DE 2013
Altera os arts. 21, 24 e 144 da Constituição; acrescenta os arts. 143-A, 144-A e 144-B, reestrutura o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O art. 21 da Constituição passa a vigorar acrescido dos seguintes incisos XXVI e XXVII; o inciso XVI do art. 24 passa a vigorar com a seguinte redação, acrescendo-se o inciso XVII:
“Art. 21……………………………………………………………………………………………
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XXVI – estabelecer princípios e diretrizes para a segurança pública, inclusive quanto à produção de dados criminais e prisionais, à gestão do conhecimento e à formação dos profissionais, e para a criação e o funcionamento, nos órgãos de segurança pública, de mecanismos de participação social e promoção da transparência; e
XXVII – apoiar os Estados e municípios na provisão da segurança pública”.
“Art. 24…………………………………………………………………………………………..
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XVI – organização dos órgãos de segurança pública; e
XVII – garantias, direitos e deveres dos servidores da segurança pública” (NR).
Art. 2º A Constituição passa a vigorar acrescida do seguinte art. 143-A, ao Capítulo III – Da Segurança Pública:
“CAPÍTULO III
DA SEGURANÇA PÚBLICA
Art. 143-A. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública democrática e para a garantia dos direitos dos cidadãos, inclusive a incolumidade das pessoas e do patrimônio, observados os seguintes princípios:
I – atuação isonômica em relação a todos os cidadãos, inclusive quanto à distribuição espacial da provisão de segurança pública;
II – valorização de estratégias de prevenção do crime e da violência;
III – valorização dos profissionais da segurança pública;
IV – garantia de funcionamento de mecanismos controle social e de promoção da transparência; e
V – prevenção e fiscalização efetivas de abusos e ilícitos cometidos por profissionais de segurança pública.
Parágrafo único. A fim de prover segurança pública, o Estado deverá organizar polícias, órgãos de natureza civil, cuja função é garantir os direitos dos cidadãos, e que poderão recorrer ao uso comedido da força, segundo a proporcionalidade e a razoabilidade, devendo atuar ostensiva e preventivamente, investigando e realizando a persecução criminal”.
Art. 3º O Art. 144 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 144. A segurança pública será provida, no âmbito da União, por meio dos seguintes órgãos, além daqueles previstos em lei:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal; e
III – polícia ferroviária federal.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira única, destina-se a:
……………………………………………………………………………………………………….
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira única, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira única, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 5º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo e nos arts. 144-A e 144-B será fixada na forma do § 4º do art. 39.
§ 6º No exercício da atribuição prevista no art. 21, XXVI, a União deverá avaliar e autorizar o funcionamento e estabelecer parâmetros para instituições de ensino que realizem a formação de profissionais de segurança pública” (NR).
Art. 4º A Constituição passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 144-A e 144-B:
“Art. 144-A. A segurança pública será provida, no âmbito dos Estados e Distrito Federal e dos municípios, por meio de polícias e corpos de bombeiros.
§ 1º Todo órgão policial deverá se organizar em ciclo completo, responsabilizando-se cumulativamente pelas tarefas ostensivas, preventivas, investigativas e de persecução criminal.
§ 2º Todo órgão policial deverá se organizar por carreira única.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal terão autonomia para estruturar seus órgãos de segurança pública, inclusive quanto à definição da responsabilidade do município, observado o disposto nesta Constituição, podendo organizar suas polícias a partir da definição de responsabilidades sobre territórios ou sobre infrações penais.
§ 4º Conforme o caso, as polícias estaduais, os corpos de bombeiros, as polícias metropolitanas e as polícias regionais subordinam-se aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; as polícias municipais e as polícias submunicipais subordinam-se ao Prefeito do município.
§ 5º Aos corpos de bombeiros, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”.
“Art. 144-B. O controle externo da atividade policial será exercido, paralelamente ao disposto no art. 129, VII, por meio de Ouvidoria Externa, constituída no âmbito de cada órgão policial previsto nos arts. 144 e 144-A, dotada de autonomia orçamentária e funcional, incumbida do controle da atuação do órgão policial e do cumprimento dos deveres funcionais de seus profissionais e das seguintes atribuições, além daquelas previstas em lei:
I – requisitar esclarecimentos do órgão policial e dos demais órgãos de segurança pública;
II – avaliar a atuação do órgão policial, propondo providências administrativas ou medidas necessárias ao aperfeiçoamento de suas atividades;
III – zelar pela integração e compartilhamento de informações entre os órgãos de segurança pública e pela ênfase no caráter preventivo da atividade policial;
IV – suspender a prática, pelo órgão policial, de procedimentos comprovadamente incompatíveis com uma atuação humanizada e democrática dos órgãos policiais;
V – receber e conhecer das reclamações contra profissionais integrantes do órgão policial, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional das instâncias internas, podendo aplicar sanções administrativas, inclusive a remoção, a disponibilidade ou a demissão do cargo, assegurada ampla defesa;
VI – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; e
VII – elaborar anualmente relatório sobre a situação da segurança pública em sua região, a atuação do órgão policial de sua competência e dos demais órgãos de segurança pública, bem como sobre as atividades que desenvolver, incluindo as denúncias recebidas e as decisões proferidas.
Parágrafo único. A Ouvidoria Externa será dirigida por Ouvidor-Geral, nomeado, entre cidadãos de reputação ilibada e notória atuação na área de segurança pública, não integrante de carreira policial, para mandato de 02 (dois) anos, vedada qualquer recondução, pelo Governador do Estado ou do Distrito Federal, ou pelo Prefeito do município, conforme o caso, a partir de consulta pública, garantida a participação da sociedade civil inclusive na apresentação de candidaturas, nos termos da lei”.
Art. 5º Ficam preservados todos os direitos, inclusive aqueles de caráter remuneratório e previdenciário, dos profissionais de segurança pública, civis ou militares, integrantes dos órgãos de segurança pública objeto da presente Emenda à Constituição à época de sua promulgação.
Art. 6º O município poderá, observado o disposto no art. 144-A da Constituição, converter sua guarda municipal, constituída até a data de promulgação da presente Emenda à Constituição, em polícia municipal, mediante ampla reestruturação e adequado processo de qualificação de seus profissionais, conforme parâmetros estabelecidos em lei.
Art. 7º O Estado ou Distrito Federal poderá, na estruturação de que trata o § 3º do art. 144-A da Constituição, definir a responsabilidade das polícias:
I – sobre o território, considerando a divisão de atribuições pelo conjunto do Estado, regiões metropolitanas, outras regiões do Estado, municípios ou áreas submunicipais; e
II – sobre grupos de infração penal, tais como infrações de menor potencial ofensivo ou crimes praticados por organizações criminosas, sendo vedada a repetição de infrações penais entre as polícias.
Art. 8º Os servidores integrantes dos órgãos que forem objeto da exigência de carreira única, prevista na presente Emenda à Constituição, poderão ingressar na referida carreira, mediante concurso interno de provas e títulos, na forma da lei.
Art. 9º A União, os Estados e o Distrito Federal e os municípios terão o prazo de máximo de seis anos para implementar o disposto na presente Emenda à Constituição.
Art. 10 Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
1. A segurança pública vive uma crise permanente. Os dados são estarrecedores e marcados pelo signo da desigualdade, em detrimento dos grupos sociais mais vulneráveis. Nas últimas décadas o Brasil mudou, mas o campo da segurança pública permaneceu congelado no tempo, prisioneiro da herança legada pela ditadura. Não obstante alguns inegáveis avanços, mantemos ainda nossos pés no pântano das execuções extrajudiciais, da tortura, da traição aos direitos humanos e da aplicação seletiva das leis.
2. Os Estados que se dispõem a mudar e modernizar-se, valorizando os policiais, transformando e democratizando as relações das instituições com a sociedade, não conseguem ir além de alguns passos tímidos, porque a Constituição federal impôs um formato único, inflexível, reconhecidamente ineficaz e irracional.
3. Assim, os vícios da arquitetura constitucional da segurança pública contribuem para o quadro calamitoso dessa área no País. O ciclo da atividade policial é fracionado – as tarefas de policiamento ostensivo, prevenindo delitos, e de investigação de crimes são distribuídas a órgãos diferentes . A função de policiar as ruas é exclusiva de uma estrutura militarizada, força de reserva do Exército – a Polícia Militar -, formada, treinada e organizada para combater o inimigo, e não para proteger o cidadão. A União tem responsabilidades diminutas, salvo em situações excepcionais; o município – ente federado crescentemente relevante nas demais polícias sociais (como educação, saúde e assistência social) – é praticamente esquecido e os Estados concentram a maior carga de responsabilidades.
4. A solução aqui proposta, de profunda refundação do sistema de segurança pública, e do modelo policial em particular, busca a redefinição do papel das polícias e das responsabilidades federativas nesta área, a partir da transferência aos Estados da autoridade para definir o modelo policial. Mas o faz sem descuidar de algumas diretrizes fundamentais, consagradas por importantes referências nessa área , para a garantia de uma transformação verdadeiramente democrática das polícias, e evitando o risco de descoordenação e desarticulação:
A. Desmilitarização das polícias: implica reestruturação profunda da instituição policial, no caso, da atual Polícia Militar, reorganizando-a, seja quanto à divisão interna de funções, seja na formação e treinamento dos policiais, seja nas normas que regem seu trabalho, para transformar radicalmente o padrão de atuação da instituição. Sem prejuízo da hierarquia inerente a qualquer organização, a excessiva rigidez das Polícias Militares deve ser substituída por maior autonomia para o policial, acompanhada de maior controle social e transparência. O policial deve se relacionar com a sociedade a fim de se tornar um microgestor confiável da segurança pública naquele território, responsivo e permeável às demandas dos cidadãos. Esta transformação, evidentemente, deve ser acompanhada de valorização destes profissionais, inclusive remuneratória.
B. Exigência de ciclo completo: a autonomia para os Estados definirem seu modelo policial não implica a faculdade de fracionar a atividade ostensivo/preventiva (hoje atribuída às Polícias Militares) da atividade investigativa (hoje atribuída às Polícias Civis). Necessariamente, toda instituição policial deve ter caráter ostensivo e investigativo. A diferenciação de atribuições deve se dar não em relação às fases do ciclo policial, mas sobre o território ou sobre grupos de infrações penais (para maior clareza quanto às opções à disposição do Estado, vide a partir do item 8, infra).
C. Definição constitucional de polícia: a polícia é definida como instituição de natureza civil que se destina a proteger os direitos dos cidadãos e a preservar a ordem pública democrática, a partir do uso comedido e proporcional da força. Esta definição supre lacuna da Constituição, e constitui a pedra angular de um sistema de segurança pública democrático e garantidor das liberdades públicas. Ademais, a proposta fixa princípios fundamentais que deverão reger a segurança pública.
D. Valorização do município na provisão da segurança pública: o município é incluído entre os entes responsáveis pela segurança pública, podendo, a depender da decisão tomada em nível estadual, instituir polícias em nível local (para maior clareza quanto aos modelos possíveis para o Estado, vide a partir do item 8, infra).
E. Aumento da participação da União: em áreas críticas para a segurança pública, que se ressentem de maior padronização e uniformização em nível nacional, a União deverá estabelecer diretrizes gerais. É o caso da gestão e do compartilhamento de informações, da produção de dados criminais e prisionais, além da criação e funcionamento de mecanismos de controle social e promoção da transparência. Na formação policial, a União deverá avaliar e autorizar o funcionamento de instituições de ensino que atuem na área, a fim de garantir níveis adequados de qualidade e a conformidade a uma perspectiva democrática de segurança pública.
F. Instituição de mecanismos de transparência e controle externo dos órgãos policiais: em cada órgão policial deverá ser instituída Ouvidoria Externa com autonomia funcional e administrativa, dirigida por Ouvidor-Geral com independência e mandato fixo. A Ouvidoria terá competência regulamentar (para dispor sobre procedimentos de atuação dos policiais, suspender a execução de procedimentos inadequados, e avaliar e monitorar suas atividades) e disciplinar (para receber e processar reclamações e denúncias contra abusos cometidos por profissionais de segurança pública, podendo decidir, inclusive, pela demissão do cargo).
G. Exigência de carreira única por instituição policial: a existência de duplicidade de carreiras, com estatura distinta, nas diversas instituições policiais, é reconhecidamente causadora de graves conflitos internos e ineficiências. A proposta avança ao propor a carreira única por instituição policial. É preciso registrar que essa medida não é incompatível com o princípio hierárquico ou com o estabelecimento de gradação interna à carreira, que permita a ascensão do profissional, mediante adequada capacitação e formação, a partir de instrumentos meritocráticos.
5. Evidentemente, tal processo de transformação exige implementação cuidadosa, com participação e monitoramento intensos por parte da sociedade civil e rigoroso respeito aos direitos adquiridos dos profissionais de segurança pública. Assim, nas disposições transitórias da Emenda garantimos a preservação dos direitos, sendo a ampla participação social inerente a todo o processo.
6. Resguardadas essas diretrizes fundamentais, e que garantem o potencial transformador desta proposta, os Estados deverão decidir se promoverão o ciclo completo do trabalho policial, a desmilitarização e a carreira única (no âmbito de cada instituição) reorganizando as instituições policiais (as atuais polícias estaduais, a Polícia Civil e a Polícia Militar) segundo atribuição de responsabilidade sobre território ou sobre grupos de infração penal.
7. Esta autonomia regulada implica grande variedade de modelos à disposição dos Estados. Com isso, reconhecemos a complexidade nacional do problema, cuja fonte é a extraordinária diferença entre regiões, Estados e até mesmo municípios da Federação brasileira.
8. Passamos, assim, a descrever as alternativas à disposição dos Estados.
9. Se a referência for o território, as novas polícias nos estados de ciclo completo e carreira única poderão ser:
A. Polícia Unificada Civil Estadual. Nesse caso, uma polícia unificada é responsável pela provisão de segurança pública a toda a população do estado, cobrindo todo seu território, por meio do cumprimento de suas funções, envolvendo as atividades ostensivo/preventivas, investigativas e de persecução criminal.
B. Polícia Metropolitana (sempre civil e de ciclo completo). Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população da região metropolitana daquele estado. Nessa hipótese, uma polícia unificada civil estadual será responsável pela provisão de segurança pública à população dos municípios do estado em questão não atendidos pela ou pelas polícias metropolitanas.
C. Polícia Municipal (sempre civil e de ciclo completo). Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população de um, de alguns ou de todos os municípios do estado em questão. O critério da decisão será escolhido pelo Estado. Exemplos: pode ser a escala demográfica (privilegiando, por exemplo, apenas a capital ou os municípios cujas populações excedam 500 mil habitantes, etc…), pode ser o histórico da criminalidade ou pode ser generalizada, aplicando-se a todos os municípios do Estado em pauta. A decisão de criar polícia municipal envolve a definição de fonte de receita compatível com a magnitude das novas responsabilidades orçamentárias.
D. Polícia Distrital ou Submunicipal ou seja, de área interna ao município. Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população de um distrito ou uma área interna ao município. Assim, uma cidade pode criar várias polícias locais e uma polícia municipal responsável pelas áreas não cobertas pelas polícias locais.
10. As objeções mais frequentes à reorganização sobre o território diz respeito à quantidade de polícias. Neste particular, é preciso ressaltar que não é o número que produz fragmentação e descoordenação. Havendo diretrizes nacionais e controle de qualidade na formação dos profissionais, na gestão do conhecimento e em outros setores, a tendência é que haja integração na multiplicidade. As virtudes de mais e menores polícias são evidentes: controle externo, transparência, aferição da eficiência, participação da sociedade, poder exemplar indutor das boas práticas, via comparação. Outra crítica comum diz respeito à suposta incompatibilidade deste modelo com a divisão do trabalho judiciário e sua distribuição territorial (que apenas reconhece União e Estados). A crítica não procede, pois as polícias – Metropolitanas e Submunicipais, por exemplo – deverão encaminhar seus procedimentos às respectivas instâncias judiciais estaduais.
11. Se a referência forem os grupos de infração penal, as novas polícias nos estados de ciclo completo e carreira única poderão ser, por exemplo:
A. Polícia Unificada Civil Estadual responsável por prevenir e investigar crimes de pequeno potencial ofensivo. Nesse caso, uma polícia unificada provê segurança pública na esfera infracional em relação a toda a população do estado, cobrindo todo seu território, por meio do cumprimento de suas funções, envolvendo as atividades ostensivo/preventivas, investigativas e de persecução criminal ou responsabilização.
B. Polícia Unificada Civil Estadual responsável por prevenir, investigar e dar início à persecução criminal dos suspeitos de participar do crime organizado. Nesse caso, uma polícia unificada provê segurança pública na esfera criminal referida a toda a população do estado, cobrindo todo seu território, por meio do cumprimento de suas funções, envolvendo as atividades ostensivo/preventivas (aquelas pertinentes nos casos de crime organizado), investigativas e de persecução criminal.
C. Polícia Unificada Civil Estadual responsável por prevenir, investigar e dar início à persecução criminal dos suspeitos de participar dos demais tipos de crime. Nesse caso, uma polícia unificada provê segurança pública na esfera criminal referida a toda a população do estado, cobrindo todo seu território, por meio do cumprimento de suas funções, envolvendo as atividades ostensivo/preventivas, investigativas e de persecução criminal.
12. Por outro lado, combinando-se os dois critérios de divisão das atribuições das polícias sobre o território e sobre grupos de infrações penais, temos um elevado número de alternativas, dentre as quais destacamos, apenas a título exemplificativo:
A. Polícia Municipal (sempre civil e de ciclo completo) responsável por atuar apenas contra crimes de pequeno potencial ofensivo, em um município do Estado, em alguns deles ou em todos.
B. Polícia Unificada Civil Estadual. Uma polícia unificada é responsável pela provisão de segurança pública a toda a população do estado, cobrindo todo seu território, atuando contra todo tipo de criminalidade e infração, exceto os crimes de pequeno potencial ofensivo ou infrações nos municípios onde houver uma polícia municipal com esta incumbência específica.
13. Por que adotar um modelo federativo e diversificado, aberto ao experimentalismo e à pluralidade de iniciativas? Porque as realidades regionais, estaduais e até municipais são diferentes. Como adotar no Amazonas a solução organizacional que melhor serve a São Paulo e vice versa? Além disso, a ousadia criativa de um Estado pode inspirar outras unidades da federação a seguir a mesma linha ou buscar a sua própria, aprendendo com erros e acertos eventualmente já passíveis de observação alhures.
14. A diversidade será salutar, pois a presente proposta estabelece diretrizes fundamentais em nível nacional (referidas no item 4, supra), graças às quais a multiplicidade será sinônimo de riqueza e não de dispersão e desintegração. Hoje, temos o pior dos dois mundos: uma camisa de força nacional, ditada pelo artigo 144 da Constituição, e a babel na formação, na informação, na gestão e na desejável e ainda inviável, salvo excepcionalmente, cooperação e integração sistêmica.
15. Acreditamos oferecer uma solução de profunda reestruturação de nosso sistema de segurança pública, para a transformação radical de nossas polícias. A partir da desmilitarização da Polícia Militar e da repactuação das responsabilidades federativas na área, bem como da garantia do ciclo policial completo e da exigência de carreira única por instituição policial, pretende-se criar as condições para que a provisão da segurança pública se dê de forma mais humanizada e mais isonômica em relação a todos os cidadãos, rompendo, assim, com o quadro dramático da segurança pública no País.