Brasil em contagem regressiva
Por Luiz Eduardo Soares, para o site Outras Palavras em 10/10/2022
Não estamos entendendo nada, ou quase nada. Dia 2 de outubro caiu como uma bomba de efeito retardado: intuímos, ao fundo, o rumor da contagem regressiva rumo à regressão incalculável. Esse é o fato, pudicamente coberto por conversa fiada mais ou menos vulgar e eventualmente adornada pela sofisticação dos ilustrados. Aqui e ali, lemos textos e declarações que normalizam o escândalo na vulgata da ciência política positivista, cuja indigência fora demonstrada à exaustão na última década. As instituições estão funcionando, eles dizem, e, conforme venho repetindo desde 2013, continuarão a funcionar como o ventilador no fim do mundo, girando até a bateria acabar. Como é possível que alguém minimamente informado continue funcionando como um adulto racional e afirme essa barbaridade, depois de quatro anos em que um presidente cometeu todo tipo de crime sem ser molestado pelos bravos e republicaníssimos checks and balances? Não raro, nas redes e na mídia, topamos com truísmos, platitudes e exaltações da prudência ante o enigma – menos mal –, ou com o exibicionismo narcísico da inteligência impotente, que apenas circunscreve com elegância a própria ignorância. Por outro lado, ouvi e li intervenções desbravadoras, corajosas e criativas, diferentes entre si, mas poderosas e verdadeiramente inspiradoras, de Manuel Domingos, Gilberto Maringoni, Bruno Torturra, Ferrez e Ronilson Pacheco. Certamente, há muitas outras manifestações importantes e esclarecedoras. As redes são incansáveis e eloquentes.
Leia Mais...»A angústia de meu neto ao telefone
“Mãe, vou votar no Lula”. Enquanto assistia ao último episódio de uma série qualquer de super-heróis, a criança justificou: “o Bolsonaro é mau, o Lula é o único que pode derrotar ele”. O dualismo simplista daquela fala me tombou, mas no final das contas era real. É real. A limitrofia do debate político nestas eleições chegou a tal ponto que a percepção infantil replica a narrativa do vilão e mocinho, produzida na tela e fora dela. Tudo que nos resta é tirar Bolsonaro, pra poder respirar. Precisei ser pedagógica com meu filho. Explicar o voto em uma candidata da esquerda radical pareceu impossível. Provavelmente impossível pra mim mesma, diante da realidade do momento.
Leia Mais...»Considere Vladimir
Luiz Eduardo Soares
Muita gente boa concorre aos legislativos estaduais e à Câmara Federal, nos mais diversos estados. A tendência compreensível é que nos concentremos nas eleições majoritárias, sobretudo na disputa presidencial, em que se confrontam Lula e o fascismo, democracia (o que nos resta dela) e a barbárie. Mas é preciso também estar atento às candidaturas proporcionais. Tomo a liberdade de me dirigir aos amigos e às amigas de São Paulo, onde brilha o futuro sucessor de Lula, Guilherme Boulos, para lhes dizer algumas palavras sobre Vladimir Safatle.
Leia Mais...»A morte de Godard e as artes da vontade
Luiz Eduardo Soares
Muita coisa morreu com Godard, eu estava tentado a dizer. Seus filmes fizeram parte de minha formação, fazem parte de mim: Pierrot le Fou infiltrou em mim a sublevação contra os clichês, o gosto da errância, o encanto pela inconclusão. Quanta morte nessa morte, eu quase escrevi.
Leia Mais...»O que eu sei sobre André Ceciliano
Revsita Fórum, 12/09/2022
Luiz Eduardo Soares
Nós vivemos sob o sig
no da guerra. Não por acaso, o poder é patriarcal. A violência é masculina. Mais de 90% dos assassinatos no mundo são cometidos por homens. Eles, nós, somos educados para terceirizar para o falo nosso valor. Por isso, ficamos, literalmente, pendurados na brocha. Inseguros, somos muito perigosos. Não é coincidência que os fascistas se oponham tão ferozmente ao que denominam “ideologia de gênero”. Eles não odeiam as mulheres, individualmente, mas o feminino como signo de um mundo que ignoram e temem, um mundo que poderia vir a ser hostil ao autoritarismo falocêntrico e à exploração mercantil.
Não houve debate algum
Por LUIZ EDUARDO SOARES*
O correto seria Lula recusar-se a participar com Jair Bolsonaro de qualquer entretenimento perverso do tipo que vimos na Band
Não houve debate algum. Quem poderia apresentar um projeto para um país em quatro minutos? Chamar de debate o que se viu é um escárnio, um desrespeito ao distinto público e uma heresia ante um conceito precioso -o debate, o diálogo- que, pelo menos no Ocidente, tem mais de dois mil e quinhentos anos. O espetáculo que vimos ontem na Band foi um misto de entretenimento lúdico (aliás, pouco atraente nessa modalidade) e reality show, em que a audiência contempla humilhações e ataques mútuos, salpicados por platitudes e refrões doutrinários.
Leia Mais...»Lançamento “2066”
Foi uma alegria, pra mim e meu parceiro Rafael Coutinho, reencontrar tantas amigas e tantos amigos, nos lançamentos paulista e carioca de nosso livro “2066”. Escrever um romance sobre o futuro e desenhar o Rio que virá foram tarefas que nos ocuparam por anos. Espero que quem leia e experimente as intervenções gráficas se emocione tanto quanto nós e se anime a construir alternativas, na prática da vida cotidiana. A missão é de todas e todos nós. Muito obrigado a quem esteve presente, a quem nos enviou mensagens, à receptividade generosa de tanta gente. A vocês, meu abraço afetuoso e grato.
Para ler e esquecer
Facebook, 11 de agosto de 2022
Luiz Eduardo Soares
Leitura da carta histórica em defesa da democracia, no Largo de São Francisco, na USP. Que bom! Fico feliz e choro como todo mundo. Todo mundo, digamos, civilizado. Afinal, um país não vive sem mitos -mas o que é um país?- e os mitos se fazem de remissões reverentes a si mesmos, esculpidos em bronze no altar das tradições. Ante a majestade das Arcadas, a escumalha não vitupera contra o capitalismo -imperam os bons modos, enfim. Para exorcizar o mal maior, sacrificam-se as diferenças de classe. Para enxotar o fascismo, celebra-se a união entre capital e trabalho, etc. É isso mesmo, estou de pleno acordo: quem haveria de contestar a razão?
Leia Mais...»Obrigado por tudo, Jô
Facebook, 05/08/2022
Que tristeza a partida de Jô Soares. Fui a seu programa poucas vezes, acho que foram quatro, sempre experiências fraternais e gratificantes. Ele sempre foi comigo muito respeitoso e inteligente, e eu o admirava. Numa das vezes, defendi a legalização das drogas e o fim do encarceramento de jovens varejistas do comércio de substâncias ilícitas. Ele reagiu um pouco, não parecia convencido, pelo menos fez ali o papel do advogado do diabo. Mas foi amigável e ouviu meus argumentos. Acontece que a produção, para compensar, havia convidado um certo deputado, chamado Jair Bolsonaro, que seria entrevistado logo depois de mim. Era 2005. Quando o capitão, feroz, tentou desmoralizar meu argumento e disse que daria um tiro na testa do jovem a que eu havia me referido, Jô, que me parecera, enquanto eu falava, crítico de minha posição, deu ao deputado uma aula, reapresentando sinteticamente, mas com precisão, minha análise. Puxou o tapete sob os pés do capitão que se reportara a mim com grosseria e arrogância. Tirei o chapéu pro mestre Jô, dei-lhe um abraço, no final. Hoje, tiro de novo meu chapéu e lhe dou o
abraço final, com muito pesar. Obrigado por tudo, Jô.
Amigas e amigos, finalmente chegou a semana dos lançamentos de 2066, a “ficção científica” que escrevi em parceria com Rafael Coutinho. Será uma alegria encontrar a turma de São Paulo, na terça-feira dia 23, às 19:00, na Ria Livraria, rua Marinho Falcão, 58, Sumarezinho. E será uma alegria receber a turma do Rio na sexta-feira, dia 26, às 18:00, no Calma Bar, na rua Arnaldo Quintela, 51, Botafogo. Espero vocês.






