Íntegra da entrevista de Luiz Eduardo Soares a Terrence McCoy, do Washington Post
(1)Por que tem mais pessoas no Brasil mais preocupados sobre a possibilidade de um golpe?
Resposta: O próprio presidente mencionou em diferentes momentos a hipótese de “dar um basta” ao que ele chama interferências do Supremo Tribunal Federal, impondo limites a seu governo. Participou de manifestações, em Brasília, nas quais se destacavam faixas reivindicando “Ditadura Militar com Bolsonaro”. Durante a campanha, indagado sobre como contornar eventuais dificuldades com o Poder Judiciário, Eduardo Bolsonaro, filho do então candidato, disse que, para fechar o STF, bastariam um soldado e um sargento. As redes sociais bolsonaristas não cessam de difundir mensagens golpistas, clamando ao presidente que feche o Congresso e o Supremo. Políticos ligados a Bolsonaro fazem declarações ameaçadoras, veladas ou explícitas. Além disso, há uma história que justifica preocupações. História política nacional recente (lembremo-nos do tweet do então comandante do Exército, general Villas Boas, na véspera do julgamento na Suprema Corte do Habeas Corpus de Lula) e a biografia do presidente, cuja trajetória foi marcada pela defesa da ditadura, pela exaltação de torturadores e de grupos de extermínio policiais. O último pronunciamento de Bolsonaro, uma semana antes do segundo turno das eleições, em 2018, dirigido por celular de sua casa, no Rio, à multidão que se reuniu na Avenida Paulista para ouvi-lo, não deixava margem a dúvidas: em seu governo, esquerdistas teriam dois destinos, o exílio ou “a ponta da praia”, expressão usada na ditadura que designava o local de execução dos opositores do regime. Bolsonaro afirmou, ao longo da campanha, que faria uma “revolução para destruir o sistema”. Mesmo que seja apenas uma hipótese, quem, sendo democrata, não se preocupasse seria leviano.
(2) As falas do Bolsonaro recentemente – por exemplo, ele dizendo que poderia cancelar as eleições se não forem limpas – foram extraordinárias. Esta conduta não é normal na arena política no Brasil. De que maneira ele está violando as normas políticas? A conduta dele poderia afetar ou danificar a democracia no brasil? De que forma?
Resposta: O Estado democrático de direito, em qualquer nação democrática, oferece meios para, identificados fatos que possam indicar fraude eleitoral, neutralizar o crime e punir os responsáveis para evitar que a vontade popular seja adulterada e que o processo eleitoral seja atingido, tanto em sua credibilidade, quanto em seu funcionamento. No Brasil, há o Tribunal Superior Eleitoral, responsável pela realização das eleições, por sua lisura e, constatados problemas, tomar as medidas cabíveis. Não cabe ao Poder Executivo interferir, muito menos cancelar eleições. Caso se sinta prejudicado, qualquer candidato pode e deve apresentar denúncia sobre fatos comprováveis e exigir providências aos Tribunais Eleitorais Estaduais e ao TSE. Portanto, as palavras do presidente são uma afronta criminosa à Legalidade Constitucional, um desrespeito às instituições e uma ameaça. A conduta do presidente tem sido recorrentemente ameaçadora e hostil à institucionalidade, e, nesse sentido, configura ações criminosas repetidas, passíveis de punição por impeachment.
(3)O golpe por Bolsonaro é uma ameaça real? Ou é um blefe e fanfarronice?
Resposta: Não sabemos. A incerteza deveria ser suficiente para que as instituições reagissem, sobretudo depois que os comandantes militares assinaram uma nota despropositada, ameaçando os senadores da CPI. Ou seja, cidadãos racionais e democratas devem exigir que as instituições atuem para impedir que as sucessivas ameaças deixem de ser blefes e se tornem realidade. O único modo de ter certeza de que as ameaças não se concretizarão é afastar Bolsonaro da presidência pelos meios legais pertinentes -o que dificilmente acontecerá.
(4)As ameaças dele são conectadas à CPI e à sua queda em taxa de aprovação?
Resposta: Já existiam antes da CPI e quando a popularidade era alta. Mas é verdade que sempre que se sente acuado, Bolsonaro eleva o tom das ameaças, como aconteceu nas últimas semanas, novamente, e com maior gravidade -por conta do pronunciamento da cúpula militar.