Legalização das drogas é solução para a violência, diz especialista
Entrevista para o site R7, Coluna do Fraga, em 27/03/2018
Um dos maiores especialistas em Segurança Pública no País, o antropólogo, escritor e professor Luiz Eduardo Soares defende que a chave para combater a violência no País não é a intervenção militar, como acontece no Rio, mas a soma de três pontos-chave: a legalização das drogas, a alteração do artigo 144 da Constituição que desenhou o atual esquema de Segurança Pública do País e o investimento na redução das desigualdades.
Sem esses três pontos, ele explica, qualquer outra tentativa deve fracassar. A defesa à legalização das drogas acontece porque, para ele, é o esquema financeiro do tráfico que perpetua a violência e recruta os jovens do País. E só a legalização cortaria o efeito financeiro, o grande negócio do tráfico. Com o desenho da Segurança Pública do País, segundo Soares, são os jovens da ponta do tráfico de drogas que acabam nas cadeias e anos depois integram as facções criminosas trazendo mais violências às ruas. Um ciclo vicioso sem fim.
Para Soares, autor de ‘Elite da Tropa’, que deu origem aos filmes ‘Tropa de Elite’, a morte da vereadora Marielle Franco, durante a intervenção ao Rio de Janeiro é o símbolo maior do descontrole, ‘uma falha inconcebível’, o retrato ‘do fracasso da intervenção’.
Contra a intervenção ele argumenta ainda que até os militares admitiram, em outras ocasiões, que a presença das Forças Armadas não inibe o crime no longo prazo, é cara e coloca em risco tanto as tropas quanto a população.
‘O Brasil prende muito e prende mal’, diz especialista em segurança
Leia abaixo a primeira parte da entrevista com o pesquisador.
Quais são os pontos para acabar com a violência no Rio e no País?
Não há resposta simples mas há três pontos chaves. E depois vou explicar cada um deles.
1) A legalização das drogas
2) A reforma do artigo 144 da Constituição Federal
3) Investimento maior que for possível para redução das desigualdades
Sobre a legalização das drogas digo que não há como fazer nada sem enfrentar essa questão.
Sobre a reforma do artigo 144, é o artigo da Constituição que estabelece o desenho da arquitetura institucional da Segurança Pública. Que distribui a responsabilidade entre entes federados, Estados e União, praticamente tirando os municípios e atribuindo à União uma responsabilidade quase irrisória, mínima, quase impotente salvo excepcionalidades como intervenção. Então: Municípios esquecidos, União despotencializada e todo o peso recaindo sobre os Estados. E você pode até colocar parênteses sobre a atuação dos municípios já que temos as guardas municipais. Esse é mais um problema. As prefeituras tiveram que dar resposta à população e criaram suas guardas, pequenas polícias muitas vezes com desvio de função e isso eu diria é no mínimo polêmico em relação à Constituição. O fato é que não há uma política nacional para a segurança municipal e isso decorre da omissão por parte da Constituição.
O 144 também desenha as polícias, com divisão entre civil e militar, uma investigativa e outra de preventiva, ostensiva. Essa divisão é única no mundo e se mostrou de um enorme insucesso, de um fracasso e isso é reconhecido por mais de 70% dos policiais que atuam na área.
Temos que alterar o 144 redistribuindo as responsabilidades entre os entes federados e mudando o desenho policial, que é a nossa ‘jabuticaba de segurança pública’, que é um desastre.
Sobre a redução da desigualdade, se temos mais pobreza, mas desigualdade e menos acesso à Educação, sobretudo no Ensino Médio, com evasão escolar em níveis elevados vamos criando jovens sem trabalho, sem estudo, sem perspectiva de integração à sociedade e ao mercado de trabalho e sem espaço à criatividade e ao lazer. Eles se tornam vulneráveis à ação de grupos criminosos. E mesmo sendo um grupo muito pequeno, ao conjunto da população jovem, mesmo sendo pequeno é grande o suficiente para produzir muitos problemas.
O senhor já disse que discorda da intervenção militar na Segurança do Rio, por quê?
Como eu disse desde o início inclusive ecoando vozes de vários comandos militares, do Exército, com o próprio general Villas Boas, esse tipo de intervenção não é eficaz, não produz os efeitos esperados.
O general Villas Boas no Congresso Nacional, há não tanto tempo, reconheceu que a ocupação do Complexo da Maré foi inócua, foi um equívoco, e quando as tropas se retiraram, após R$ 600 milhões e 14 meses, os problemas retornaram e se intensificaram e ao longo da ocupação houve uma série de problemas, de violação de direitos.
Os comandantes militares mais experientes e responsáveis sabem que além de implicar custos elevados implica riscos muito sérios. Para a própria imagem da instituição, e não só imagem, a performance dos seus agentes na ponta, que ficam expostos e se tornam vulneráveis aos mesmos apelos materiais que são objeto os policiais. A corrupção pode ocorrer e corremos o risco de repetir a experiência mexicana: o Exército foi convocado e depois se degradou como instituição, pelo envolvimento na criminalidade sem que tenha havido qualquer avanço e qualquer resultado positivo.
Então há o reconhecimento que a ação das Forças Armadas, e particularmente do Exército, não concorre para a produção do fim desejado que é a redução da violência. E por quê isso ocorre? Porque os principais problemas não são passíveis de tratamento, de uma abordagem pela ocupação ou pela ação pela força. E o Exército é treinado sobretudo para o uso da força, e não para o uso da força comedida, como as polícias, mas para o uso letal da força. Porque o seu entendimento é bélico. O Exército, no limite, tem que estar preparado para a guerra e para a defesa da soberania nacional e do território nacional. Não é essa a finalidade das polícias, que é garantir direitos.
Os crimes sobretudo contra a pessoa são violações de direito e como a polícia lida com cidadãos, suspeitos ou mesmo criminosos há protocolos que precisam ser respeitados, emitidos pela ONU e instituições reconhecidas e são protocolos que se compatibilizam naturalmente com a Constituição e que rezam que só se use a força no limite do estritamente necessário para enfrentar cada ameaça e situação específica. Isso não tem acontecido no Brasil. Nós somos campeões da brutalidade policial letal.
Num cenário de intervenção isso pode se ampliar porque já há um desrespeito das polícias a esse protocolo. Ao se aumentar o uso da força em uma situação excepcional, marcada pela presença das Forças Armadas, Exército, em que o signo sobre o qual as instituições agem é o da força. Se já havia a militarização da segurança com consequências nefastas isso tende a se agravar. Temos testemunhos na ponta que demonstram que violência policial que era o nosso maior problema se torna ainda mais frequente, sem que haja o desejo, claro que não há, do comando da Força.
Nossas questões são: Crime organizado, violência e corrupção policial, que são irmãos siameses. A definição de crime organizado envolve agentes públicos e sabemos que no Rio de Janeiro em particular os crimes mais organizados contam com participação policial, de segmentos da polícia, não de toda a polícia. Precisamos refundar as polícias.
Como você avalia a intervenção que completa 40 dias, com o assassinato de uma vereadora, o problema do financiamento e lembrando que a intervenção teve apoio da maior parte da população…
Apesar da maioria da população apoiar a intervenção hoje nós lemos no jornal que 70% da população considera a intervenção inócua.
A Marielle é o símbolo maior do descontrole. Foi o crime mais bárbaro no sentido de todas as implicações. Não no sentido de uma vida superior a outra, pois todas as vidas se equivalem. Mas do ponto de vista institucional e político e simbólico esse assassinato é uma falha inconcebível. De desmoralização da intervenção. De fracasso da própria intervenção.
Tão importante quanto o apoio da maioria é o reconhecimento da maioria de que não está funcionando. Vamos ver como será esse ajuste de apoio e reconhecimento do fracasso mais adiante. Eu sempre dizia que vamos esperar o início do ano que vem quando as tropas se retiram para ver quem tinha razão.
A razão reconhecida por todos para a intervenção foi eminentemente política e eleitoral.