Por que apoio Lindbergh para o governo do Estado do Rio?
Luiz Eduardo Soares
Tomo a liberdade de escrever em clave pessoal, apesar da natureza eminentemente pública do tema: política e eleições. Espero que o desenrolar dos argumentos justifique a opção.
As jornadas de junho de 2013 corresponderam a um deslocamento de placas tectônicas na sociedade, precipitando energia em escala colossal, cujos efeitos nas mais diferentes dimensões só serão conhecidos no futuro. A riquíssima efervescência popular, em sua multiplicidade irredutível, apontava criticamente para a qualidade dos serviços públicos, para as iniquidades assombrosas que resistem aos avanços democratizantes recentes do país, para a brutalidade do Estado delegada à polícia e para as ruínas em que se converteu a representação política, hipnoticamente siderada por negócios escusos, carreiras pessoais e tertúlias internas, e refratária ao diálogo com a sociedade. O jogo da política degradou-se em farsa. Junho conferiu visibilidade ao cadáver insepulto da política tal como tradicionalmente praticada, e não só nas casas parlamentares, também em sindicatos e muitos movimentos sociais. Entretanto, se as fórmulas antigas mal se sustentam, despedaçadas pelo inaudito protagonismo cidadão, o processo exige mais política para que a representação seja reinventada, mais política para que a institucionalidade seja transformada, interagindo com a demanda popular por participação e com o espírito constitucional, tão mais participativo do que tem sido a prática corrente nesse último quarto de século.
As lideranças tradicionais não se puseram à altura do desafio político. Não compreenderam que um abismo se abria entre as ruas e a institucionalidade política. Não se deram conta da magnitude da fenda que os afastava da maioria da população, esgarçando os restos de legitimidade cada vez mais restrita à forma e desprovida de alma. A insensibilidade tem aprofundado o ceticismo cáustico com que a sociedade contempla o Estado, em especial sua esfera especificamente política, tornando previsível o crescimento da indiferença, a qual pode redundar em mais voto de tipo fisiológico, mais abstenção, mais voto nulo. E também mais voto inercial, aquele sufrágio repetitivo, que escolhe quem é conhecido por falta da motivação que muda, porque mudança envolve esperança e implica aposta e risco. Como sabemos, assumir risco pressupõe desejo e a mobilização de valores. O desprezo pela política tende a torná-la ainda mais desprezível, porque os melhores candidatos naufragam no tsunami de descrédito, neutralizados na opção majoritária pelos pobres de espírito, isto é, pelos oportunistas, corruptos e conservadores de todos os matizes.
Por isso, as eleições de 2014 são estratégicas. Elas se encontram com o sentimento popular numa encruzilhada delicada. Na aparência, provavelmente, não serão muito diferentes das anteriores. Para o futuro, podem fazer toda a diferença.
Esse conjunto de percepções me levou a investir esperança na criação de um novo partido, o Rede Sustentabilidade, liderado por Marina Silva, pessoa admirável, cuja trajetória nos inspira, cujas formulações analíticas subvertem a mediocridade ambiente no campo político. Apesar de não acreditar que a forma-partido possa regenerar-se e cumprir algum papel relevante, criativo e efetivamente democrático, reconheço que ainda não dispomos de mecanismo alternativo. Ou seja, teremos que trabalhar com esse instrumento organizacional precário, com esse personagem decadente até que inventemos um substituto viável. Foi o que disse aos companheiros em meu discurso, em Brasília, na oportunidade da fundação do futuro partido: aquele talvez fosse o único partido que nascia com a consciência de suas limitações intrínsecas, disposto a reduzir danos, sem ilusões. O único partido que, em vez de oratória triunfalista, recepcionava, generosamente, o ceticismo crítico, o prognóstico sombrio, sem que a lucidez autocrítica roubasse o ânimo. Eu perguntava: como vacinarmo-nos contra a oligarquização precoce, as manobras, o autoritarismo, a instrumentalização e a crença de que seríamos melhores e imunes às contradições? Como praticar uma nova política, se a velha está em ruínas, quando não estão ainda acessíveis os novos mecanismos, a nova institucionalidade e até os conceitos para a nova complexidade? Como combinar ousadia, compromissos sociais, radicalidade, com tolerância, apreço pela diferença, abertura ao diálogo? Doçura e ambição? Como evitar que a política se dissolva em carreirismo, mercado de votos e projeto de poder vazio de conteúdo? Como associar utopia e realismo? Como falar do sonho com os pés no chão, credenciando-nos a influir nos destinos do país, com responsabilidade? Como colocar em prática a luta por direitos, pela sustentabilidade, por uma educação de qualidade igualmente acessível a todos, contra a desigualdade, pelas liberdades, contra o racismo, a brutalidade policial, as iniquidades perpetradas pelas instituições do Estado, pelos direitos dos povos originários, por uma consequente política energética, de tal forma que esse conjunto de esforços exerça efetivo impacto transformador? Como acolher e estimular a participação? Como reconectar a institucionalidade política, tão degradada, com as massas populares e as ruas?
Identifiquei-me com a Rede não porque Marina e as demais companheiras e companheiros tivessem as respostas, mas porque compartilhavam as perguntas. E sejamos justos: entre os políticos, ninguém se mostraria tão sintonizado com as dinâmicas profundas e intersubjetivas da sociedade brasileira quanto Marina. Quem falou, antes de junho de 2013, em ativismo autoral, novas coletividades horizontais, centralidade das redes, salto quântico de consciência, nova política, democratização da democracia, democracia de alta intensidade e mutações? Quem, no vocabulário e na sensibilidade, no conceito e na prática, perscrutava maremotos? Quando junho eclodiu, me ocorreu uma imagem: Marina colara o ouvido ao chão e identificara, ao longe, o fragor da grande convulsão fermentando.
Ninguém é força de expressão –ainda que apenas Marina tenha formulado publicamente o que antecipara com tanta precisão e clareza. Talvez seja injusto com outros, porque houve, sim, em meu círculo de relações (eis porque adoto o tom testemunhal da primeira pessoa), mais alguns poucos que pareciam intimamente conectados ao processo histórico ainda imperceptível para a esmagadora maioria dos políticos –os quais, aliás, até hoje não despertaram para a mutação em curso. Cito, nominalmente, entre esses poucos políticos particularmente sensíveis, Marcelo Freixo e Lindbergh Farias. Ouso sugerir alguma coisa que chocará meus colegas cientistas políticos, mas talvez não surpreenda os colegas antropólogos: a sintonia com a vibração que agita placas sociológicas tectônicas antes que seus efeitos se tornem ostensivos não se manifesta apenas nem principalmente no plano intelectual. Pode emergir na sensibilidade estética, na linguagem corporal, na performance pública para além da consciência, nas celebrações religiosas, no frêmito dionisíaco das festas, na voz embargada do poeta, na eloquência gutural agressiva do hiphop e do funk, na audácia do passinho das crianças de favelas. A conexão com algo não dito que camadas sócio-culturais profundas gestavam talvez se estivesse revelando (e sendo energizado), e continue a mostrar-se e construir-se, na retomada da paradoxal objetividade barroca de Neymar, nas instalações de Nuno Ramos e Ernesto Neto, na explosão dos Racionais e dos recitais de poesia nas quebradas, nas obras de Luiz Zerbini ou Adriana Varejão, Carlito Azevedo ou Reinaldo Moraes, Bernardo Carvalho ou Daniel Galera, José Padilha ou Kleber Mendonça Filho, Fernando Meirelles ou Karim Ainouz, Filipe Hirsh e Antunes Filho, na virada eletrônica de Caetano, na ascensão das lutas dos povos originários, na política cultural implementada por Gilberto Gil, na política social aplicada pelo PT, no ascenso das cotas e ações afirmativas, nas políticas de gênero, na resistência crescente ao racismo e à homofobia, no avanço dos movimentos LGBT e dos Sem-Teto, no midialivrismo e na proliferação de coletivos, no Fora do Eixo e no MidiaNinja, na escalada das mobilizações pela legalização das drogas, na insurgência contra o sindicalismo bem comportado, nos rolezinhos, no revigoramento da produção etnológica brasileira de Eduardo Viveiros de Castro, lançando pontes entre a filosofia europeia e as tradições ameríndias.
A emocionante campanha de Freixo à prefeitura do Rio de Janeiro em 2012 foi o ensaio geral para o junho de 2013, em sua versão carioca. Quase um milhão de votos e não menos que 10% dos votos em todas as seções eleitorais do município demonstram que não se tratava de fenômeno de classe média da zona sul. Marcelo transcendeu seu partido e qualquer veleidade dogmática. Dialogou com os desejos e os valores que a política não tangenciava havia algum tempo. Quando artistas importantes abraçaram Marina, em 2010, e Freixo, em 2012, faziam mais que repetir a velha cena codificada na transição democrática, que a redundância desgastara: postavam suas antenas para o prenúncio da grande ventania.
É nesse fascinante, ardiloso e perigoso contexto que surge a candidatura Lindbergh ao governo do Estado do Rio, o mais desigual do país, onde a barbárie campeia de braços dados com a vanguarda civilizadora. Se o Brasil não é para principiantes, o Rio nem a experts, sábios e xamãs revela seu enigma. Antes de tudo, seu emaranhado de contradições exige muita humildade. O mistério brasileiro não será elaborado sem que se o aborde pelo viés fluminense, onde talvez ele mais se oculte e mais se exponha. Cientistas debruçaram-se em vão sobre a bipolaridade carioca; pesquisadores exibiram, em vão, as vísceras dos dilemas fluminenses; lideranças políticas nacionais intervieram sem sucesso nas dinâmicas locais. Houve um momento em que o PT interveio no diretório estadual. Os efeitos foram sempre desastrosos. Tudo parece claro, à distância, e turva-se na primeira curva da Baixada, no primeiro labirinto popular, nos botecos, nos templos, na praia. Conflitos exacerbam-se e se enredam como os fios de luz nas comunidades. Quem desata os novelos? É preciso suspender toda arrogância. Não há fio de Ariadne que se possa isolar sob a trama densa. O trançado é soberano. A teia impera. É necessário canibalizar o amontoado de linhas, porque não há sentido além e aquém, nem rumo que se deslinde depois da assepsia e do higienismo. O sentido é o nó e sua irredutibilidade. Ou, como dizem nas favelas cariocas: é nós. São os nós; somos nós. Cessa aqui tudo o que a antiga musa canta. A saída, amigas e amigos, a saída é óbvia, porque está no meio da rua, entre nós, em processo, é puro processo: diálogo e participação, imenso respeito pela complexidade, sensibilidade fina para o vozerio babélico, concertação para a paz e a qualificação da vida. Mas quem encarna o negociador universal? Quem será nosso Hermes? Sim, precisamos de um símile do deus do diálogo e da tradução, do emissário que porte as mensagens com fidelidade e credibilidade, que tenha a suprema coragem de fazer contato, ouvir e admitir o protagonismo cívico como base para uma radicalmente nova governança –que nada tem a ver com demagogia populista.
Serviços, redução de desigualdades, governança de novo tipo, decisões em rede, juventude em rede energizando a matéria diáfana de socius –sem ilusões, sem ufanismos, sem idealização de identidades passageiras, pois a mobilidade é um problema central, em todos os sentidos. Assim como a violência, a começar pela brutalidade letal do Estado. Como se diz na Rocinha, a cultura passa e fica. Bico de fuzil não pacifica. Participação de alto impacto, responsabilidade coletiva em alta intensidade: eis a matriz da nova política.
O Rio precisa da nova sensibilidade que a Rede Sustentabilidade capta no ar e busca afinar. Humanismo de alto rendimento, 2.0, circulando entre a ciência de ponta e a ponta de luz do xamanismo amazônico. Nenhum governo ajudará a promover as imensas transformações inadiáveis no Rio sem manejar o imaginário, os sentimentos, as figuras retóricas (quase-conceitos) que as novas práticas da sociedade brasileira têm (re)inventado e a Rede tem valorizado, e difundido. O Rio precisa da Rede, do que ela pode vir a significar, do potencial que ela representa na esfera política, traduzindo a alta voltagem societária para a frequência político-institucional.
Mas a Rede, com tantos defeitos –a começar pelo fato de não ser nada mais do que a expectativa de um partido futuro diferente e comprometido com valores radicalmente democráticos–, tem a virtude de não se supor dona da verdade ou detentora monopolista das ideias e dos princípios que adota. Por isso, Marina sempre dizia, em 2010, que, se eleita, governaria com as melhores pessoas quaisquer que fossem seus partidos, se os tivessem. Assim como a Rede aceita candidaturas avulsas da sociedade, sempre repudiou a ideia de reprimir escolhas individuais de seus militantes por candidatos de outros partidos. Pessoalmente, me beneficiei dessa postura –aliás, não teria me aproximado da Rede se a postura fosse outra– e sempre defendi, publicamente, a candidatura ao governo de um senador do PT, Lindbergh Farias. A Rede repele o chamado “centralismo democrático”, cuja triste história é suficientemente conhecida. Portanto, não deve causar perplexidade ou constrangimento reconhecer em agentes políticos ligados a outras agremiações posturas e concepções com as quais nos identificamos. Que bom seria se isso ocorresse bastante e cada vez mais.
Pois a trajetória de Lindbergh tem sido profunda e crescentemente identificada com os conceitos, a sensibilidade, os valores e as práticas que observo no ambiente da Rede, a despeito de naturais tensões, divergências e tropeços. Além disso, não conheço ninguém mais preparado, maduro e dotado de talento para a tarefa imensamente desafiadora de governar o Rio, hoje, encarnando Hermes, co-inventando uma governança participativa, sem perder de vista o compromisso objetivo de implementar políticas capazes de promover o desenvolvimento sustentável do estado, reduzindo as abismais desigualdades em todas as áreas (desde o acesso à Justiça e à segurança, até a fruição de saúde e educação).
Eu o conhecia há tempos, como toda gente, mas passei a conviver com ele a partir do final de 2007. Desde então, tenho acompanhado de perto sua caminhada, primeiro na prefeitura de Nova Iguaçu, onde fui secretário por cerca de três anos, depois no Senado, onde o assessorei por um bom tempo. Estar a seu lado não foi opção profissional, foi escolha de militância de que me orgulho e com a qual aprendi muito. Nesses anos em que procurei contribuir, modestamente, para a reconstrução do município, era emocionante testemunhar a luta cotidiana do prefeito contra dificuldades de toda ordem, numa área tão pobre e abandonada, submetida ao longo de décadas a práticas degradadas e degradantes do poder local. Estive ao lado de Lindbergh apesar de não me identificar com o PT e jamais fui censurado por criticar o partido ou buscar alternativas que terminariam por me conduzir ao esforço de fundação da Rede. O espírito democrático a que busco ser fiel, eu o encontrei nele, o que contribuiu para que nossa relação ultrapassasse o terreno profissional e político. A admiração conquistada no dia a dia é o elo mais valioso e sólido. O prefeito incansável, com uma energia invejável, foi mais que corajoso tantas vezes, política e até pessoalmente, colocando a si e à sua família em risco. Nem mesmo isso reduziu seu ímpeto. Mas a quase ilimitada disposição de realizar para os mais pobres –não há aqui demagogia, apenas a descrição objetiva do que testemunhei—que lhe infundia essa força titânica para avançar, não implicava desprezo pelas condições reais e inflexibilidade para negociar, transigir, ceder. Durante a primeira década de sua vida política, Lindbergh olhava o Brasil com o coração e os valores. Sem compromissos com a gestão pública e os limites impostos pela dura realidade, podia ser radical e permitir-se namorar o sectarismo. Com seu magnetismo e audiências ávidas por destilar a indignação, brandiu suas bravatas. Dizia o que pensava e dormia tranquilo, com a consciência em paz. Sem concessões. Carisma e catarse lhe bastavam para abrir passagem para uma carreira fulminante. Quando o PT venceu as eleições presidenciais, em 2002, chegara o momento de uma decisão chave, que marcaria seu destino. Pessoal e político. Manter-se na posição confortável, ainda que sempre indispensável, de quem critica e denuncia (confortável porque quem assim define seu papel está sempre certo, pois só se deixa limitar por suas próprias convicções), ou aproveitar a oportunidade histórica de ajudar a mudar o Brasil e meter a mão na massa para construir a realidade alternativa, na medida do possível, sem abdicar dos valores, mas investindo as energias na gestão. Era a hora de trocar, para falar com Weber, a supremacia da ética da conviccão pela supremacia da ética da responsabilidade –em cujo âmbito a convicção tem de continuar sendo respeitada, mas não o será ilimitada e incondicionalmente, não dará todas as cartas. Difícil é não jogar fora a criança com a água suja do banho, isto é, não adotar a responsabilidade como álibi para trair os valores. Afinal, foram eles que nos trouxeram à política e de nada servirá a responsabilidade senão para realizá-los ou aproximarmo-nos de sua realização.
Lindbergh afrouxou a gravata de deputado federal e calçou as sandálias da humildade. Foi à luta, ser gauche na vida. Meteu-se na encrenca da Baixada. Enfrentou as oligarquias locais e as derrotou. Uma cidade com quase um milhão de habitantes, sem meios de comunicação, dependia das máquinas públicas. Mesmo assim, de casa em casa, rua por rua, conversando com a população, comprometendo-se com políticas sociais e de infra-estrutura, venceu. Em 2008, se reelegeria no primeiro turno, com 65% dos votos. Ninguém imaginava que o menininho bonito de classe média, lider estudantil, egresso da ultra-esquerda, acostumado a resolver problemas com discursos abstratos e a evocação de princípios, viesse a ser o melhor prefeito que a região conhecera.
Durante a gestão de Lindbergh, Nova Iguaçu foi a cidade que mais fez obras no estado do Rio. Foram mais de 400 quilômetros de saneamento e asfalto em mais de 1.388 ruas, beneficiando mais de 80 bairros. Graças à sua habilidade política e à sua liderança, o município foi o terceiro do país que mais recebeu recursos do PAC, abaixo apenas de São Paulo e Rio de Janeiro, as duas principais capitais brasileiras. Antes da gestão de Lindbergh, cerca de 50% da população conviviam com a lama. O número caiu para 10%. O nome técnico é “índice de asfaltamento e drenagem”. Diversos bairros foram inteiramente asfaltados, como Ambaí, que tinha apenas 2,1 quilômetros de asfaltamento, o equivalente a 8,1% do bairro, e o Km 32 (este é o nome do bairro), com apenas 14% das ruas asfaltadas. Como se diz em Nova Iguaçu, “as pessoas deixaram de andar com o saco plástico no pé quando chove”. Incluo essa citação para que não subestimemos a importância social dessas mudanças. A prefeitura fez mais de 50 mil ligações de água e esgoto sanitário, ainda que a atribuição fosse da Cedae. As três Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) foram recuperadas. Além disso, 25 elevatórias de esgoto foram implantadas. O trabalho estendeu-se a outros campos. Lindbergh implantou um projeto notável chamado Bairro-Escola, destinado a oferecer ensino em tempo integral, com aulas e atividades culturais e esportivas no contraturno dos estudantes. O projeto influenciou diversos programas educacionais no país, foi premiado no Brasil e no exterior e serviu de modelo para o Ministério da Educação implantar seu programa de educação integral. Lindbergh implantou o melhor plano de cargos e salários do estado do Rio e passou a pagar o maior piso salarial da história da cidade, valorizando os professores e sua formação. O aumento médio para a categoria foi de 60%. O piso aumentou 46,83%, passando de R$ 1.021,23 para R$ 1.500,09. A prefeitura também deu uma contribuição para a redução da violência, em particular os homicídios dolosos, mas não gostaria de comentar aqui meu próprio trabalho. A prefeitura levou para Nova Iguaçu o primeiro campus de uma universidade federal, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e implantou com sucesso, em parceria com a UFRJ, um pré-vestibular popular para que os jovens da cidade se preparassem para provas nas principais universidades do estado.
Houve muito mais, em muitos outros setores, mas esses dados bastam para indicar a magnitude das realizações de Lindbergh como prefeito.
No Senado, para onde foi levado por mais de quatro milhões de votos, testemunhei sua luta, ao lado de Marina e do senador Randolfe Rodrigues, contra a deformação do Código Florestal, entre várias outras lutas pela renovação da política, pelos direitos das empregadas domésticas e dos deficientes. Em 2013, apresentou a PEC-51, que constitui o maior orgulho de minha vida profissional e política, uma vez que colaborei em sua confecção e que ela sintetiza décadas de trabalho de um vasto grupo de profissionais das polícias e pesquisadores, comprometidos com a segurança cidadã e os direitos humanos. Trata-se da proposta de emenda constitucional que visa transformar a arquitetura institucional da segurança pública, reformar o modelo policial e desmilitarizar a polícia ostensiva. A proposta vinha sendo discutida e amadurecida há tempos. Nos últimos anos, o debate deu-se diretamente com Lindbergh e seus assessores. Nenhum político até então ousara assumi-la e apresentá-la. Mas já me alonguei demais. Termino, passando a palavra ao próprio Lindbergh. Que ele fale por si sobre Marina, a sustentabilidade ambiental, a nova política, a crise da representação (copiei o pronunciamento, abaixo, na sequência do texto). Duvido que algum companheiro, alguma companheira da Rede leia este pronunciamento, proferido em 13 de junho de 2011, sem emocionar-se, sem identificar em Lindbergh um parceiro de primeira hora, um irmão de caminhada. Lindbergh será governador do Estado do Rio de Janeiro, creio, e fará a diferença. E, mesmo no PT, mais que aliado, será um agente político fundamental para difusão de valores e práticas com os quais nos identificamos.
Além de tudo, a atual disputa não permite neutralidade, a menos que se aceite pagar preço elevadíssimo, em termos de responsabilidade ético-política. E por uma razão muito simples: não estamos diante de um quadro em que um mau resultado seja relativamente indiferente para o futuro do Rio e do Brasil. Estamos diante de riscos sérios, porque os candidatos que concorrem contra Lindbergh e têm condições eleitorais para vencer representam o atraso, o obscurantismo, o pior da velha política que tanto condenamos. Para Lindbergh, nem mesmo a chegada ao segundo turno está garantida. Ou seja, retardar o apoio significaria lavar as mãos em um momento em que essa atitude revelaria desprezo pelo futuro fluminense e brasileiro. Significaria enviar a mensagem aos eleitores de que os candidatos, essencialmente, se equivalem. Essa mensagem seria um insulto à inteligência e aos compromissos éticos que reverenciamos.
Por esse vasto conjunto de motivos, apoio Lindbergh para o governo do Estado e me alegro com a decisão do diretório estadual da Rede, no Rio, que aponta na mesma direção. Em meu apoio, como se vê, nada foi improvisado ou circunstancial. A unidade vem sendo construída passo a passo há muitos anos. Mais do que qualquer outra, esta seria, para a Rede, essencialmente programática. Dir-se-ia que é também pragmática, porque Lindbergh tem chances reais de vencer as eleições. Mas não foi por isso que celebramos a unidade. Para empregar dois adjetivos que nos são muito caros, ela é natural e orgânica.
Pronunciamento do Senador Lindbergh Farias
no Senado federal em 13 de julho de 2011
Senhor presidente, senhoras e senhores senadores,
Em 2009, a senadora Marina Silva desfiliou-se do Partido dos Trabalhadores. Lamentei muito, embora respeitasse a decisão. Respeitasse e compreendesse.
Acompanho a trajetória de Marina há muito tempo. Admiro sua coerência política e sua integridade pessoal. Ela se firmou, ao longo das últimas duas décadas, como uma liderança popular excepcional.
Por tudo isso, considerei sua saída do PT uma perda inestimável. Mais do que uma perda, interpretei sua desfiliação como sintoma de que meu partido não havia conseguido incorporar plenamente o tema da sustentabilidade.
Estou convencido de que Marina não se move por ambições individuais, não se deixa conduzir por projetos oportunistas e jamais instrumentalizou sua adesão a causas visando cargos e poder. Sendo assim, abandonar o Partido que ajudara a fundar não se reduziu a uma operação circunstancial, em uma conjuntura muito particular. Pelo contrário, aquele gesto transmitiu uma mensagem forte e teve um significado inquietante para nós, seus companheiros de travessia. Refiro-me aos que ficamos no PT, buscando extrair lições da perda para aprimorar o partido. Não creio que seja saudável e proveitoso para o partido armar o espírito, assumir uma postura defensiva e negar qualquer responsabilidade pelo que aconteceu.
Se Marina não visava uma candidatura presidencial por veleidades pessoais, se deixou o PT por não se sentir mais em condições de continuar sua luta pela sustentabilidade sócio-ambiental como militante petista, deduzi que havia algo problemático e insatisfatório em nosso partido, no que diz respeito à relação com a problemática ambiental.
Não digo isso como quem aponta o dedo, acusando, criticando de modo destrutivo. Até porque falo de mim mesmo e da tradição política em que parte de minha geração foi formada. Refletindo sobre nossa cultura política, não foi difícil reconhecer que a preservação do meio-ambiente, os problemas referentes às políticas do clima, a complexíssima questão da sustentabilidade não estiveram entre os pontos prioritários de nossa agenda.
Crescemos e amadurecemos como indivíduos, cidadãos e agentes políticos obcecados pela temática do desenvolvimento com democracia e justiça social. Aliás, obcecados por ótimos motivos. As teses da sustentabilidade chegaram depois e integraram nosso ideário como anexos, apêndices, complementos, quase como os adjetivos que qualificam os substantivos. Muitas vezes, ingressaram mais em nossa retórica do que em nossa prática. E quando se tratava de implementar políticas e propor caminhos, eventualmente sacrificamos a sustentabilidade em nome do crescimento e dos benefícios sociais e econômicos para a maioria. Imaginamos que a preocupação com a sustentabilidade acabaria por impedir os avanços, desperdiçando oportunidades e provocando danos sociais. O fato é que nem sempre esteve claro para nós que sustentabilidade não bloqueia o desenvolvimento, mas, ao contrário, o torna verdadeiro, isto é, o faz fonte de qualidade de vida e o transforma em uma dinâmica capaz de garantir a continuidade das conquistas sociais e econômicas.
Algumas vezes, cometemos um equívoco diferente mas comparável àquele dos economistas conservadores, para os quais só seria possível dividir o bolo depois de fazê-lo crescer. De nossa parte, em alguns momentos, pensamos que a sustentabilidade viria como a cereja do bolo: primeiro, seria preciso promover o crescimento com inclusão social, qualquer que fosse o custo ambiental; depois, cuidaríamos do meio-ambiente, da biodiversidade, do clima: enfim, do futuro. Em outras palavras: ao futuro, a agenda do futuro. A cada dia, sua agonia.
A saída de Marina do PT me alertou para a necessidade de uma correção de rota. A sustentabilidade não é um adendo, um detalhe, uma cláusula suplementar. Muito menos um tema para o futuro. Tem de estar no centro de nosso pensamento e de nossas ações, sempre. Ou não haverá futuro.
Apesar de deficiências em nossa cultura política e das contradições inevitáveis, naturais em todos os partidos, o PT foi e continua sendo um partido democrático, aberto, capaz de acolher diferenças. Tanto que nele permanecem inúmeros ambientalistas plenamente conscientes da prioridade dos temas relativos à sustentabilidade.
Se a saída de Marina provocou reflexões auto-críticas em mim e em tantos companheiros de jornada, seu novo passo, desfiliando-se do Partido Verde, suscita novas inquietações, dessa vez relativas a nosso sistema político.
Não se trata de avaliar sua opção de deixar o PV, muito menos de julgar a escolha de manter-se, pelo menos temporariamente, fora do universo dos partidos. Seria pretensioso avaliar ou julgar. Só posso manifestar meu respeito por sua decisões, uma vez que, corretas ou incorretas, segundo quaisquer critérios, não tenho dúvida de que as motivações são respeitáveis. Como é de seu estilo, a ex-senadora Marina Silva não hesita em arriscar o patrimônio político-eleitoral em nome de seus ideais. Essa coragem não é comum. Na verdade, é raríssima.
Assim como sua saída do PT pode servir de alerta e levar o partido a uma reflexão crítica sobre sua relação com a sustentabilidade, de modo a renovar e enriquecer sua linha programática, eu acredito que o rompimento de Marina com o Partido Verde pode nos despertar de uma certa letargia frente à crise da representação parlamentar. Letargia que tem caracterizado o ambiente político –e aqui não me refiro exclusiva nem principalmente ao PT. Marina saiu do PV, criticou o partido –é verdade–, mas o que interessa a todos nós foram suas palavras sobre o sistema político brasileiro, em seu conjunto. Não foram palavras sectárias, agressivas, doutrinárias ou destrutivas. Ela fez uma análise serena mas rigorosa sobre a precariedade da representação política, a escassez de confiança popular nas instituições parlamentares, a incapacidade dos partidos de se conectarem com a população e de se colocarem à altura do dinamismo da sociedade brasileira.
Não sei se o novo capítulo de sua biografia, fora dos partidos, produzirá mais benefícios ao país e às suas causas do que sua longa e produtiva trajetória partidária, no interior das instituições parlamentares. Espero que ela nos ajude a vislumbrar soluções criativas no âmbito da democracia representativa e do Estado democrático de direito, como deseja fazer. Confesso, inclusive, que ainda tenho esperança de que, um dia, no futuro próximo, Marina e o partido dos trabalhadores, ao qual ela dedicou tantos anos de sua vida, se reencontrem: ambos amadurecidos e transformados, graças às iniciativas corajosas da ex-senadora, por um lado, e à abertura criativa, auto-reflexiva e generosa do próprio PT.
Mas para que esse reencontro seja um dia possível e para que as transformações desejáveis ocorram, o melhor a fazer é aproveitar a oportunidade que Marina mais uma vez nos oferece para despertarmos da letargia, olharmos para nós mesmos no espelho do ceticismo popular, encararmos a crise do sistema político com franqueza, sem ressentimentos e atitudes defensivas, e longe de qualquer dogmatismo.
Não pretendo falar sobre a reforma política que tem sido objeto de debates no Congresso Nacional, até porque acho que os dilemas que ela envolve, sem prejuízo de sua relevância, estão distantes da problemática mais funda que pode ser definida como crise da representação e que se refere ao divórcio entre o mundo político profissional e a vida social.
De meu ponto de vista, apesar das muitas contribuições importantes que o país deve às duas Casas Parlamentares, a legitimidade das instituições políticas democráticas talvez estivesse seriamente comprometida se o Poder Executivo não tivesse apresentado um desempenho tão competente –a despeito de dificuldades, limites e contradições–, desde os abalos que se seguiram à primeira eleição direta pós-constituinte. O fato é que as virtudes dos governos Itamar, Fernando Henrique e Lula (independentemente de suas diferenças e das avaliações que se façam sobre cada período) exerceram grande impacto na economia e na sociedade, injetando doses poderosas de confiança e esperança no funcionamento do Estado, e restaurando, assim, a legitimidade corroída pelo impeachment, pela inflação e pelas desigualdades sociais. Por isso, a meu ver, o Executivo tem sido o fiador da credibilidade política (não obstante os questionamentos éticos a alguns de seus segmentos), impedindo que o descrédito se alastre como epidemia e provoque fissuras na institucionalidade.
Também é verdade que o Poder Judiciário abandonou sua postura tradicional, marcada por discreta reatividade, e avançou sobre o espaço que o Parlamento deixou vazio. Admito que a nova atitude é polêmica e não encontra consenso nem mesmo entre os juízes e os operadores do Direito. Contudo, é impossível negar que, aprovemos ou não, a judicializacão da política tornou-se uma realidade e, para o bem ou para o mal, substituiu vácuos normativos e alguma paralisia decisória parlamentar por intervenções proativas que alcançaram grande repercussão social.
Esse processo –por mais problemático que seja, repito, tanto por seus pressupostos quanto por suas consequências—ajudou a aproximar o Estado da sociedade, reduzindo os efeitos da crise da representação sobre a credibilidade institucional e, portanto, infundindo legitimidade nas instituições políticas, em seu conjunto.
Entretanto, o rei está nu. Seria ingênuo negar o problema que denominei “crise da representação” ou diminuir sua gravidade.
Às vezes tenho a impressão de que olhamos para o Congresso Nacional como olhamos para as estrelas e nos iludimos com sua presença imponente como se a representação política fosse natural e como se ela portasse em si mesma as virtudes que justificam sua existência. Entretanto, como sabemos, várias estrelas e constelações que contemplamos, admirados, não existem mais. O que vemos são emanações luminosas que trazem até nós imagens do passado. Cuidado!, alertariam os astrônomos: nem tudo que compõe o cenário de nossas rotinas está vivo. As instituições não são parte da natureza. São obras do engenho humano, artifícios da imaginação criadora e da inteligência. São construções históricas. Nascem e perecem, dando lugar a novas formas, adequadas a novos tempos. Ou se renovam, se reinventam e se adaptam às novas exigências.
Não há democracia sem Parlamento. Sabemos disso. O Brasil aprendeu a dura lição quando mergulhou nas trevas da ditadura. Portanto, a tarefa histórica não pode ser desprezar o Parlamento e imaginar sua substituição. Não há alternativas superiores no mundo contemporâneo, apesar dos pesares. Por isso, a tarefa é renovar métodos e processos, reinventando o instituto da representação parlamentar para conectá-la à nova sociedade que está se gestando diante de nós.
Na Grécia clássica, a democracia veio da Ágora, o espaço público, a praça. Foi na praça que brotou a política como prática coletiva orientada para a realização do interesse público no território da cidade, a Polis. As deliberações coletivas (das quais estavam excluídas, entretanto, as mulheres e os escravos) eram possíveis porque o número de cidadãos era reduzido e havia tempo ocioso. Na sociedade de massas, a deliberação, mesmo democrática, tornou-se inviável pelos métodos diretos experimentados na praça grega, quatro séculos antes de Cristo. Passou a ser necessário contar com mediadores que representem a coletividade e, em seu nome, deliberem.
Hoje, em várias partes do mundo, a sociedade está voltando à praça. E não apenas para manifestar sua indignação com governos tirânicos, uma vez que são outras as praças e outras as formas de presença. Graças à tecnologia, voltou a ser possível encontrarmo-nos na grande Ágora virtual. Na era da informação, a sociedade está se estruturando em redes, os grupos são mais flexíveis, as identidades são plásticas, as pessoas ora se dispersam, ora se unem em torno de determinados valores, de certas pautas, durante certo período.
Nesse contexto histórico, deveria permanecer inalterada a ideia de partidos que monopolizam a representação política e se distinguem por adesão a valores mutuamente excludentes, apresentando ao país programas diferenciados e opostos, expressando contradições entre classes sociais, que, por sua vez, corresponderiam a posições diferentes na estrutura econômica e a interesses opostos? É verdade que continuam existindo classes sociais e posições diferentes na estrutura econômica, mas elas, hoje, além de mais instáveis, múltiplas e dinâmicas, combinam-se a distintas identidades, se articulam a distintas associações, expressam trajetórias diversas e se incluem em diferentes projetos individuais e coletivos.
Será que a forma partido, em torno da qual organizamos a institucionalidade política, corresponde à nossa sociedade? Será que a forma partido transmite a imagem da sociedade brasileira real, em que vivemos, ou a imagem de uma galáxia que já não existe, apesar do brilho que nos encanta?
Qual a forma pela qual seria viável garantir estabilidade política, lealdade a um ideário, compromisso com políticas públicas e com valores, responsabilidade na condução do interesse público e, ao mesmo tempo, abrir o Parlamento e a vida política às redes sociais, à participacão ampliada, sem cair na demagogia assembleísta ou plebiscitária?
Como se percebe, senhor presidente, há mais perguntas do que respostas e o gesto político de Marina teve, mais uma vez, o mérito de as formular. De meu ponto de vista, acho que estaremos cumprindo nosso dever se nos esforçarmos por pensar o novo, antecipando-nos às mudanças sociais que estão em curso.
Acredito, senhor presidente, senhoras e senhores senadores, que seja nosso dever incorporar essas perguntas à nossa agenda. Talvez elas sejam mais importantes do que as respostas, porque provocam em nós um desconforto saudável e construtivo, nos impedindo de confundir a desejável solidez institucional com a resignação a seus limites.