Vamos conversar sobre polícia?
Há 30 anos peço um tempo no final das reuniões realizadas no âmbito dos movimentos, dos partidos e das associações, para compartilhar uma pergunta e introduzir um novo tema na pauta: Que modelo de polícia devemos propor para a sociedade brasileira que se democratiza e luta por justiça? Qual seria o modelo menos problemático, o mais adequado, de nosso ponto de vista, nós que defendemos os direitos humanos? Qual modelo facilitaria o controle externo, a transparência, o respeito aos direitos, inclusive dos policiais, que são trabalhadores e cidadãos?
E assim passaram-se 30 anos. Careca, velho, com menos energia do que antes, cá estou, no final da sala, no final da fila, erguendo a mão, pedindo o favor aos parceiros de caminhada, agora tão mais jovens do que eu: sei que há muita coisa mais importante, inclusive para a segurança, mas em algum momento precisamos falar sobre polícia. Vocês aceitam discutir este tema? “Na próxima reunião, companheiro, fica pra próxima”.
E assim, as esquerdas e as forças democráticas, os movimentos sociais, as entidades da sociedade civil e os partidos políticos que se querem transformadores jamais apresentaram ao país uma proposta completa e realista para as polícias. Denunciaram sim, sempre, e com toda razão, as violações. Propostas objetivas para reforma do modelo policial, nunca formularam, ainda que alguns indivíduos –bravo !– o tenham feito. Os conservadores não precisam apresentar nada. Sua proposta está aí nas ruas, liquidando gerações futuras, massacrando jovens negros nas periferias e envolvendo policiais que morrem à tôa na guerra fratricida de pobres contra pobres, com o beneplácito do Estado, o patrocínio das elites e a benção da sociedade.
Daqui a alguns anos, imagino que haverá alguém no fundo da sala, onde eu costumava sentar-me. Alguém que sequer me conheceu levantará a mão: Vamos conversar sobre polícia? Mas talvez não seja preciso. Talvez o futuro liberte-se desse passado de omissão e silêncio, fruto de preconceitos e mal-entendidos. Talvez as pessoas mais sensíveis à questão dos direitos, às lutas anti-racistas, anti-homofóbicas, anti-misóginas, talvez os democratas se convençam de que, mesmo havendo temas tão mais importantes, inclusive para a segurança pública, é absolutamente injustificável amaldiçoar um deles: polícia.
Dê uma chance a meu argumento e participe do debate virtual em curso na plataforma mudamos.org.
Luiz Eduardo Soares é antropólogo, escritor, dramaturgo e professor de filosofia política da UERJ. Foi secretário nacional de segurança pública e coordena curso sobre segurança pública na Universidade Estácio de Sá. Seu livro mais recente é “Rio de Janeiro; histórias de vida e morte” (Companhia das Letras, 2015).