TOQUEM O ALARME
Congresso avalia reduzir poder de governadores sobre PM e polícia civil
Projetos sugerem criação de patentes e de conselho nacional ligado à União, além
de mandatos para comandantes; modelo é defendido por aliados de Jair Bolsonaro
Matéria de Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
11 de janeiro de 2021 | 05h00
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Luiz Eduardo Soares
A proposta é um insulto à democracia, uma ameaça da maior gravidade ao
que nos resta do Estado democrático de direito. A transição política, no Brasil, em
função de sua natureza negociada com os representantes do antigo regime,
permaneceu incompleta, por várias razões, entre as quais porque os militares
egressos da ditadura lograram inserir o artigo 144 na Constituição, por meio do
qual nos tornaram herdeiros do modelo policial forjado na ditadura. Esse fato
dramático produziu um enclave institucional: em plena democracia, as polícias
preservaram práticas, crenças e valores racistas, classistas, refratários à
democracia, ao poder civil, à autoridade republicana. Esse fenômeno -a resistência
ao poder político, civil e republicano- só foi possível por conta da cumplicidade de
setores dominantes do MP e do Judiciário, e da pusilanimidade de lideranças
políticas. Por isso, a luta dos democratas, na segurança pública, sempre foi pela
mudança do artigo 144, pela mudança do modelo policial que herdamos da
ditadura, visando acabar com a resistência das polícias, civis e militares, à
autoridade civil política e republicana. Por isso, sempre denunciamos o fato de que
os governadores -com variações de grau no tempo e no espaço- não comandam,
efetivamente, as polícias. Eles não o admitem para não parecer fracos e para não
romper alianças com as polícias -das quais, na prática, eles são reféns. Aliar-se a
um poder insubordinado (a insubordinação se constata pela autonomização
verificada na ponta, nas ações nas favelas e periferias, mostrando que até mesmo
hierarquia e disciplina não existem, de fato) significa rendição política ilegal. A
proposta que está sendo gestada pela bancada da bala, ligada ao governo federal, é
a pá de cal na luta de três décadas dos movimentos de direitos humanos pelo
controle legalista da atividade policial, é o sepultamento de qualquer hipótese de
reforma do modelo policial (único no mundo e sabidamente fracassado),
representa fechar o cofre e jogar a chave ao mar. Esse projeto significa a blindagem
definitiva e irreversível das polícias e a declaração de sua independência, o que
corresponderia, sejamos francos, ao fim das veleidades democráticas no Brasil.
Populações vulneráveis já são reféns, governadores já são reféns, a resistência pela
democracia sofreria seu revés mais grave.