A segunda posse de Lula em seu terceiro mandato
Em primeiro de janeiro de 2023, Lula subiu a rampa do Planalto com personagens que simbolizam o povo brasileiro. A foto mais bela e comovente da história do país correu mundo, anunciando que o Brasil estava de volta: o melhor de nossa sociedade derrotara o fascismo e se apossara de seu próprio destino. A imagem nem sempre vale mil palavras, como se diz. Aquela, entretanto, prescindia de legendas.
Leia Mais...»Não consigo conceber minha vida sem futebol
Não consigo conceber minha vida sem futebol. Cresci ao redor das partidas ganhas e perdidas, repetindo na memória, insone, os lances como orações para ajustar a direção da bola, tentar de novo aqueles dribles, os meus e os dos jogadores de meu time. Jamais imaginei o futebol dissociado de Pelé, de seu nome, sua lenda, sua liturgia. Seus gols impossíveis eram a garantia de que tudo era possível, a perfeição nesse mundo. Levei essa fé pra política e corri atrás da utopia a vida toda. Já sabia que Pelé estava mal. Há semanas acompanho, como toda a gente, seu calvário. Sua morte aconteceria. Aconteceu. Mas parece que eu não sabia, não estava preparado pra essa notícia. É como se o mundo desabasse. O futebol é o fio que liga os tempos e os pedaços de minha travessia, separando anos e décadas, como a política. O fio rompeu-se, eu acho. Foi isso mesmo?
O problema mais urgente do Brasil é a ruptura entre autoridade e poder
O STF fez história quando decidiu intervir na segurança pública fluminense, no âmbito da ADPF 635/2019, condicionando a realização de operações policiais em territórios vulneráveis ao cumprimento de exigências mínimas, de resto ditadas por bom senso e respeito à legalidade constitucional. Se o fez, foi porque reconheceu tanto a gravidade das reiteradas violações perpetradas pelo Estado, por meio das polícias, quanto a inépcia dos mecanismos de controle, especialmente do MP. Representantes das polícias e do governo estadual argumentaram contra a medida, em nome da autonomia institucional, e alertaram para o risco de explosão da criminalidade. Sem as operações, o Estado quedaria prostrado, inerte, ante o fortalecimento do crime. Nada disso aconteceu. Nos poucos meses em que a ordem judicial foi cumprida, diminuíram as mortes provocadas por ações policiais (que na cidade do Rio correspondem a cerca de 30% do total de homicídios) e não houve aumento da criminalidade. Desafortunadamente, a obediência não durou, voltaram as operações desastradas e desastrosas, multiplicaram-se as chacinas inconsequentes e brutais, com invasão de domicílios, mortes (inclusive de policiais) e terror, sem que nada mudasse na rotina das dinâmicas criminosas, as quais se recompuseram, como sempre, após os ataques, reproduzindo o ciclo de violência. Nessa história que se repete, não se acumularam vitórias, só dor, medo, ódio e ressentimento. O racismo estrutural se intensifica, as desigualdades se aprofundam. No dia 25 de novembro, o saldo do banho de sangue foram oito mortos. De janeiro a outubro, houve 1.111 mortes provocadas por ações policiais no estado do Rio.
Leia Mais...»Angelus Novus do fascismo brasileiro
Entre tantas imagens perturbadoras em que naufragaram as últimas ilusões de que se aplicam à política os princípios de realidade e racionalidade, destaca-se o homem abraçado ao para-brisa do caminhão veloz, que segue seu caminho. As primeiras interpretações que circularam fazem todo sentido: o bolsonarista que participava da obstrução de estradas, em defesa de intervenção militar para impedir a posse de Lula, oferecia ao mundo o patético espetáculo de sua impotência, procurando deter o caminhão, cujo movimento ininterrupto representaria a marcha inexorável da história e do progresso. Leitura interessante e, em parte, bastante fiel ao que se vê, mas talvez excessivamente dependente de um imaginário tão irrealista quanto o delírio golpista do triste personagem. Tão irrealista quanto e, ousaria dizer, mais íntimo de seu regime de afetos e valores (como sua contrapartida) do que talvez inicialmente se supusesse.
Leia Mais...»Postei no facebook essa breve observação:
Postei no facebook essa breve observação: Olha pra câmera, rodopia no palco, lê a mão e diz “bandido”, repete mais alto “bandido”, olha de novo pra câmara e, enquanto se afasta, eleva o tom, dirigindo-se de costas pro outro: “responde aí, Lula, fala, responde”.
No último “debate” da Globo, pelo buraco da fechadura em que se converteu a tela da TV, milhões de pessoas flagraram o segredo, o núcleo essencial de nossa história, a senha derradeira que desvenda o enigma do país. O patrão bronco e branco, exibindo na voz e no corpo seu desprezo pelo outro, evoca a cena primordial da Casa Grande. Acontece que, do outro lado, o peão nordestino gasto pelo sal das pedras, rouco como devem ser roucos os gritos suspensos no ar, disse não, não. E o circuito da violência, interceptado, devolveu o açoite pro lombo de quem mandou dar.
Bolsonaro, nunca mais.
Alerta aos conservadores:
Meu nome é Luiz Eduardo Soares, tenho 68 anos e dediquei minha vida à segurança pública. Acho que é meu dever alertar os conservadores de boa vontade para o fato de que nosso país corre o risco de ser entregue, definitivamente, ao crime organizado. Hoje, o país flerta com o crime, mas em um eventual segundo mandato de Bolsonaro, o que foi ensaiado será colocado em prática sem restrições. As polícias serão liberadas para matar, por meio do “excludente de ilicitude” e de outras medidas semelhantes.
Leia Mais...»Pensem comigo…
Pensem comigo: quando uma denúncia pública de crimes bárbaros, envolvendo a sexualidade, é descritiva, minuciosamente descritiva, como aquela de Damares, isso desperta apenas a justa indignação? Ou os detalhes, que revivem as cenas perversas, também acendem o fogo alto de fantasias, inibições e culpas, promovendo o investimento libidinal que anima identificações com a versão política e caricata de um deus de primeiro testamento? O fascismo é macabro e pornográfico, precisa de cada fotograma da tragédia humana pra incendiar as culpas que deságuam na adesão ao castrador -patriarcalismo é a senha. O negacionismo começa no recalque e o desejo de punição reside na urgência em extinguir o Outro que está dentro de nós, essa fonte interna do mal.
Brasil em contagem regressiva
Por Luiz Eduardo Soares, para o site Outras Palavras em 10/10/2022
Não estamos entendendo nada, ou quase nada. Dia 2 de outubro caiu como uma bomba de efeito retardado: intuímos, ao fundo, o rumor da contagem regressiva rumo à regressão incalculável. Esse é o fato, pudicamente coberto por conversa fiada mais ou menos vulgar e eventualmente adornada pela sofisticação dos ilustrados. Aqui e ali, lemos textos e declarações que normalizam o escândalo na vulgata da ciência política positivista, cuja indigência fora demonstrada à exaustão na última década. As instituições estão funcionando, eles dizem, e, conforme venho repetindo desde 2013, continuarão a funcionar como o ventilador no fim do mundo, girando até a bateria acabar. Como é possível que alguém minimamente informado continue funcionando como um adulto racional e afirme essa barbaridade, depois de quatro anos em que um presidente cometeu todo tipo de crime sem ser molestado pelos bravos e republicaníssimos checks and balances? Não raro, nas redes e na mídia, topamos com truísmos, platitudes e exaltações da prudência ante o enigma – menos mal –, ou com o exibicionismo narcísico da inteligência impotente, que apenas circunscreve com elegância a própria ignorância. Por outro lado, ouvi e li intervenções desbravadoras, corajosas e criativas, diferentes entre si, mas poderosas e verdadeiramente inspiradoras, de Manuel Domingos, Gilberto Maringoni, Bruno Torturra, Ferrez e Ronilson Pacheco. Certamente, há muitas outras manifestações importantes e esclarecedoras. As redes são incansáveis e eloquentes.
Leia Mais...»A angústia de meu neto ao telefone
“Mãe, vou votar no Lula”. Enquanto assistia ao último episódio de uma série qualquer de super-heróis, a criança justificou: “o Bolsonaro é mau, o Lula é o único que pode derrotar ele”. O dualismo simplista daquela fala me tombou, mas no final das contas era real. É real. A limitrofia do debate político nestas eleições chegou a tal ponto que a percepção infantil replica a narrativa do vilão e mocinho, produzida na tela e fora dela. Tudo que nos resta é tirar Bolsonaro, pra poder respirar. Precisei ser pedagógica com meu filho. Explicar o voto em uma candidata da esquerda radical pareceu impossível. Provavelmente impossível pra mim mesma, diante da realidade do momento.
Leia Mais...»Considere Vladimir
Luiz Eduardo Soares
Muita gente boa concorre aos legislativos estaduais e à Câmara Federal, nos mais diversos estados. A tendência compreensível é que nos concentremos nas eleições majoritárias, sobretudo na disputa presidencial, em que se confrontam Lula e o fascismo, democracia (o que nos resta dela) e a barbárie. Mas é preciso também estar atento às candidaturas proporcionais. Tomo a liberdade de me dirigir aos amigos e às amigas de São Paulo, onde brilha o futuro sucessor de Lula, Guilherme Boulos, para lhes dizer algumas palavras sobre Vladimir Safatle.
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